Ide à Tasquinha do Rio!

Sou daqueles gajos que tem, sempre, os sentimentos à flor da pele. Gosto, não gosto. Apaixono-me, desapaixono-me. Gosto de emoções, aprecio aquela tensão que a paixão me dá. O meio termo lixa-me os miolos. Detesto, fico lixado, com a porra das palavinhas mansas. Detesto malta que se melindra. Bazo logo e que cada um vá à sua vida. Mais à frente a malta volta-se a encontrar. Se der.
Consumo o que consumo sempre por causa de motivos sentimentais e pessoais. Deixo de consumir ou preferir também por razões sentimentais e pessoais. A vida, a dada altura, não deixa margem a fretes.
Conheço Setúbal desde sempre. Frequentei e frequento Setúbal, pelas mais diversas razões.  Houve tempos em que era frequentador assíduo das tascas, no sentido literal do termo, da terra da sarrdinha e do carrapau. Entretanto, afastei-me da cidade. Comecei a achá-la demasiado betanizada, incaracterística, massificada, com a sua frente ribeirinha degradada e abandonada. Este afastamento era quebrado, apenas, para ir aos viveiros de marisco, para comer o tradicional choco frito ou salmonetes. Aliás, não existem melhores salmonetes que os de Setúbal. É em Setúbal que temos de ir comer os salmonentes.

Setúbal está, no entanto, a mudar. Está mais viva, começa a mostrar sinais de rejuvenescimento. A restauração está, parece-me, a acompanhar esta mudança. Surgiram, também, bares de vinho, gastro bares ou pubs, boas garrafeiras. As opções começam a ser muitas. Contudo, raramente fugia do circuito mais tradicionalista do choco. Pancadas.
Descobri a Tasquinha do Rio, por intermédio de um compincha. Pedi-lhe conselhos sobre locais para petiscar, para picar isto e aquilo. Ele avançou com meia dúzia de propostas e perante uma pergunta directa, respondeu-me que gostava muito da Tasquinha do Rio. Ainda por cima, segundo ele, era espaço onde o vinho era bem tratado. Dispararam as sirenes. É aqui que vou. Está feito, está decidido. Se não gostar, se for uma treta, se for um fiasco, certamente o Valter iria ouvi-las.


Espaço pequeno e profundamente acolhedor. Saltou à vista, a minha, a simplicidade do ambiente, bem como aquela sensação de asseio. Pouco mais que meia dúzia de mesas aconchegadas, numa superfície pouco maior que a minha sala de estar. Apreciei a tranquilidade, a possibilidade, vejam lá, de poder falar com todas as pessoas que estavam em meu redor. Adultos e crianças. Só nós ocupámos, num ápice, metade dos lugares.


A comida assentava numa simplicidade de sabores, de aromas que me deixou estonteado. Tudo bem balanceado, equilibrado e bem temperado. Sentia-se que havia mão. Mão de cozinheira. Aquela mão de mãe que sabe transformar a coisa mais simples em algo com uma enorme complexidade. Ia caindo na mesa um pouco de tudo. Umas tiras de choco muito boas, bem fritas, secas e sem gordura, um pica-pau do caraças, umas gambas com alho perfeitas, umas costeletas de borrego que eram, simplesmente, divinais. Eram manteiga na boca. Porra, terão sido as melhores costeletas de borrego que comi nos últimos tempos. Pura pornografia.
Ainda trinquei um niquinho de pernil de porco assado no forno, não sei se era do lote da Venezuela, que me deixou de queixo caído. Desfazia-se com a colher. A pele, bem tostada, era hino ao pecado. Era uma ovação a tudo aquilo que faz mal, mas que sabe muito bem. E ainda houve tempo para uma bela costeleta de javali. Grelhada na perfeição. Um autêntico desfile de pequenos enormes prazeres. Ah! Esperem, ainda se limparam umas soberbas e bem temperadas codornizes. Foram a sobremesa.


E o vinho? Bem tratado. Podia-se olhar em redor e percebia-se que ali gostava-se de vinho. Não havendo uma lista infindável de referências, era possível descortinar algumas das mais conhecidas e badaladas. E, vejam lá, até havia vinho do Dão :) Reparei no MOB, no Villa Oliveira, no Pelada Mulher Nua, ... E naturalmente bebi vinho do Dão, mas também do Alentejo (o saudoso Altas Quintas). Os copos eram do melhor que há. Irrepreensíveis.
Bom, resumindo a coisa que isto hoje está longo, apraz dizer que fiquei muito apaixonado pelo lugar. Vou voltar. Irei lá, outra vez, para experimentar o outro lado. O lado dos tachos e das panelas. Dizem, segundo consta, que é assim algo inesquecível. E por favor, continuem assim. Não se abandalhem.

Comentários