A visita foi sendo adiada sistematicamente, caminhando perigosamente para a impossbilidade. Corria o risco de estar ali tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
Consequência de uma conjugação quase impossível de diversas variáveis, consegui pegar no calhambeque e zarpar para o outro lado do rio.
A entrada do Vale impinge-me a falsa sensação de distância em relação à betanização, ao tamponamento do nosso país. Como seria possível, ter ali ao pé de tanta degradação paisagistica, meia dúzia de lugares recônditos, aparentemente afastados de uma maligna realidade? Cheirava, em demasia, a incongruência.
A estrada até ao âmago da Quinta da Murta estava ladeada por ciprestes. Estranha árvore para um cenário daqueles. A vida pululava por todos os lados. Seriam um presságio, um indício de que algo, não muito bom, acabará por acontecer?
A vinha, essa, estendia-se suavemente pelas encostas. Um pedaço aqui, outro pedaço acolá. Imagens graciosas, cheias de verde, empaturradas de arbustos, ervas, árvores. Montanhas abauladas.
Muito do tempo disponível foi gasto a mirar, a vasculhar os sítios mais escusos. Por momentos e enquanto a conversa ia fluindo com o ideólogo da Murta, quase que desprezava o vinho. Tive que ser chamado à razão.
Os vinhos, esses, que foram caindo no copo, tentavam transmitir o pensamento, os sonhos do fantasista da Murta: frescura, genuinidade, a sinceridade do homem, da terra e da vinha. A ideia pareceu-me, simplesmente, ofececer diferenciação e carácter. A técnica, o tecnicismo, a manipulação, a tão desejada receita enológica regra de três simples, segundo as palavras do sonhador, estavam colocadas em segundo plano, em posição menor. Tenho que admitir, que senti coragem, pressenti ideias afincadas e persistentes. Que o sonho não descambe por terra ou fique enterrado debaixo do cimento. Eu agradeço! Mais alguém?
Comentários
Senti o mesmo que tu. Autenticidade, convicção, firmeza.
Gostei muito da pequena reportagem!
Gostei ainda mais, de ler que entendeste muito bem o conceito que está por trás dos vinhos da Quinta da Murta, assim como, achei sublime o facto de não pessoalizares as coisas. Ou seja, ao não atribuíres um nome, imputas toda a adjectivação à equipa. Algo poético…brilhante!
Muita da confusão do passado vem precisamente de se valorizar apenas uma pessoa pelo trabalho de muitas!
Parabéns!
Hugo Mendes
obrigado pela reportagem...Bucelas podia e devia ser uma "Sintra" vinicola para Lisboa....infelizmente (mas coerentemente) nao o e!!!! Lembro-me sempre da anedota da divisao do mundo por paises e consequentes benesses...ao territorio correspondente a Portugal era dado um rol de coisas boas. O protesto das restantes nacoes quanto a quantidade de vantagens dadas a Portugal foi apaziguado pelo anuncio do povo que la iria morar....sorry pelo despesismo!!! So vejo escolhas erradas, pessoas sem capacidade/visao a frente dos destinos do nosso Pais vinhateiro..e oportunidades perdidads!!!!
Um abraco e desculpas por alguma amargura nas palavras
Pedro G
Não poderia estar mais de acordo consigo!
Mas, será que não podemos fazer nado por isso?
Nao sei se cabe ao consumidor/enofilo a fatia grande da resposabilidade da mudanca. O pouco tempo que trabalhei no sector deu para perceber que os produtores de uma determinada regiao nao estao unidos num proposito comum e acima de tudo nao vivem a sua realidade vinicola regional(obviamente estou a generalizar). Se nao somos capaz de criar (e vender) uma regiao como algo de caracter unico e assente na qualidade e diferenca dos seus vinhos...la fora nao vamos a lado nenhum! O melhor marketing que podemos ter e o da especificidade/qualidade....
Penso que a mudanca tem de partir em primeiro lugar dos produtores, num esforco para valorizarem o seu patrimonio vinicola, melhorarem a qualidade dos vinhos e consequentemente criar uma imagem da regiao assente na especificidade dos seus produtos...tudo isto aliado a uma consertacao com o poder local de forma a se criarem as infrastruturas necessarias a criacao do mito regiao...obviamente nao me refiro a toneladas de cimento e auto-estradas por cima e por baixo...a viagem a volta do vinho esta ligado ao contacto com a natureza e tradicoes ancestrais...o criar no turista o sentimento de algo magico e unico!!! Em relacao a Bucelas: um dia destes ha um artista qualquer em, por exemplo, Napa que descobre o potencial do Arinto, e em poucos anos perdemos algo essencial: os louros (reconhecimento) de sermos o local de expressao de origem da casta....algo que nao tem preco hoje em dia!!!
Abraco,
Pedro
Penso muitas vezes se estamos destinados a viver o fado, a tristeza, a tragédia, a inglória, a derrota.
Não é que seja meu hábito, mas já que a reportagem era sobre a Quinta da Murta, local onde trabalho, respondi com o pensamento na produção!
Quando pergunto se não poderiamos fazer alguma coisa por isso, refiro-me, precisamente à produção!
Acho que descreveu muito bem a realidade! Infelizmente!
Acho que temos (pais, no geral) um problema generalizado de gestão e competência dessa mesma. enquanto não começar-mos a inverter isso, não avançamos!
Mas eu gosto muito mais de ter uma abordagem proactiva. identificamos os problemas, então, "bora" lá resolve-los!