Garrafeiras da Tapada de Coelheiros

É decididamente, para mim, mais um caso em que o meu conhecimento é maioritariamente literário (acreditem que gostaria que fosse diferente). Os vinhos produzidos por este produtor custam uns valentes euros. O dito Tapada de Coelheiros normal raramente baixa dos 20€. Muito caro para uma coisa que é chamada de normal. O cenário adensa-se com os Garrafeiras. Aqui a barreira dos 50€ é facilmente transposta. Verdade seja dita, tenho uma leve sensação (que se baseia meramente em crenças pessoais) que anda por aí uma enorme loucura em redor de vinhos que têm a etiqueta 50. Parece ser condição essencial um produtor brindar-nos com tais preços. Só assim é que poderá ser um verdadeiro Topo.
Olhando para os meus apontamentos que andam por casa, lembro-me da (enorme) desilusão que tive ao provar o Garrafeira de 1996. Dizia-se (não sei se ainda se diz) que este vinho era qualquer coisa de extraordinário, um exemplo de complexidade, de finura. Andou debaixo de olho durante muito tempo. Chegou-se a dizer que não era um tinto para todos. Que dificilmente seria interpretado (devidamente) por gente normal.
Recentemente reencontrei-me novamente com o Garrafeira de 1996. Agora surgia acompanhado por outros Garrafeiras: 1999 e 2000. Foram provados às cegas (é importante referir esta variável?).

Tapada de Coelheiros Garrafeira 1996
Olhando para as minhas (fracas) memórias enófilas, acabei por reparar que existia coincidência entre este momento de prova e outro que já tive.
O vinho, enclausurado dentro desta garrafa, revelou, aparentemente, uma face muito vegetal, com a fruta quase ausente. Os sinais que largava eram muito fugazes. Por largos momentos, não detectei qualquer pista.
A prova ia desenvolvendo-se com sensações florais. Sem grande intensidade e meio débil. Umas nesgas de pimenta e uma ou outra especiaria tentavam, sempre que podiam, dar maior complexidade e amplitude aromática a este tinto alentejano. O esforço acabou por ser (um pouco) inglório. Foram incapazes de catapultá-lo para outros voos. Estaria no fim de viagem?
O paladar, apesar de possuir um nível de frescura muito aceitável, com os taninos e a acidez a pedirem um prato com algum tempero, mostrava-se (assim pareceu) parco de sabores. Nota Pessoal: 14

Tapada de Coelheiros Garrafeira 1999
Um salto enorme entre este e o primeiro. Mais estruturado, mais cheio, tantos nos aromas, como nos sabores. Durante algum tempo manteve-se fechado, pouco conversador, dando poucas indicações sobre a sua personalidade.
O despertar iniciou-se com (muitos) odores tostados. Fiquei com a impressão que no pires ao lado estava o amendoim e a amêndoa torrada. Pelo meio, senti um cheiro mineral, que fazia recordar as minas de lápis, a lousa. Acabei por regressar, momentaneamente, à velha sala de aulas.
Calmamente (como um bom alentejano), a fruta surgiu em forma de ginjas, framboesas. Alguns licores faziam companhia, conferindo um aspecto mais viscoso, menos seco. O tempo, a duração da prova, fez-lhe bem. Foi um tinto que ajudou a inventar aromas. Longe da morte. Cheio de vida.
Os sabores mostravam força, compleição. Ao entrar pela boca, mastigava-se, saboreava-se. Conseguiu aliar, de forma muito coerente, a força com a elegância (quase esquizofrénico). No final deixava um rasto fresco, tendencialmente mineral.
Fazendo futurologia, acredito que temos um tinto que irá evoluir muito bem. Gostava de prová-lo novamente para saber se atirei ao largo ou se foi em cheio. Nota Pessoal: 16,5

Tapada de Coelheiros Garrafeira 2000
Mais novo que o anterior, mas nem por isso mais interessante. Aqui, o ponteiro mudou completamente de direcção. Abandona a frescura, o mineral e aposta essencialmente na doçura, nas compotas. Fica a ideia (que pode ser errada) que estava mais redondo, quase sem arestas para limar. Com (muito) doce de tomate, com (bastante) marmelada. Uma parelha que dominava a escala. Davam poucas hipóteses para que outros surgissem. O tempero era feito, essencialmente, com canela e caramelo. Aparentemente monótono.
Os sabores, navegaram por entre (alguma) indefinição. Não estava claro para que lado tombava. Acidez, comum entre eles, era o elemento mais irrequieto. Muito dinheiro para o prazer que tive. Nota Pessoal: 15

Comentários

Pedro Sousa P.T. disse…
Concordo em absoluto com a tua introdução. Realmente acho que é um abuso. Provei o 1999, oferecido por um amigo, claro! e desilusão total, isto em relação ao preço. Parece que neste País há muita gente a querer ir aos nossos bolsos. É ganhar tudo ontem, Empresários à "Portuga"!!!
Anónimo disse…
Aqui fica o meu total acordo, à questão dos preços. Sobre este assunto lembro-me sempre do exemplo do Pera Manca

Cumprimentos
JFreitas.

PS Mudando de assunto já fez provas do Carossel do Álvaro de Castro?
Pingas no Copo disse…
Caro JFreitas, faz muito tempo que não faço uma prova com o Carrossel de Álvaro Castro. É mais um daqueles casos em que o preço impede que seja provado mais vezes.

Um abraço
Anónimo disse…
Olá Caríssimo Pingos,

A minha questão é a seguinte: será que vale a pena escrever sobre um vinho que não se gosta quando existem tantos bons exemplares para enaltecer?

Concordo em relação ao preço, esse é sem dúvida um exagero, mas discordo em absoluto em relação às notas atribuídas. É a minha opinião.

Aproveito para deixar os meus parabéns pelo Blog. Simplesmente genial!

Um abraço!
Pingas no Copo disse…
Caro Gil seja bem vindo.
Respeito a sua opinião relativamente às notas. Aliás, a questão das notas será e continuará a ser um tema em que o consenso nunca será atingido.

Mas permite-me discordar quando diz que devemos falar unicamente de vinhos que gostamos. Não seria um pouco monótono?

Um abração
Os preços dos Tapada de Coelheiros nunca foram baratos, longos vão os tempos onde o branco ainda vinha dentro de uma rede de arame dourado.

Sempre os olhei com respeito pelas bonitas e imponentes garrafas e também pelo que sempre os vi custar. Faz falta esta imagem sóbria e de alguma forma elitista em alguns dos nossos vinhos.

Quanto às provas, já tive oportunidade de os ir provando, conhecer os brancos, os tintos e mesmo aqueles que vão mais além com o nome de Garrafeira.
Foi com o Garrafeira 1996 que tudo começou, um vinho na altura excepcional para o que se tinha por cá, hoje em dia vivem talvez um pouco agarrados ao que eram e não mudaram muito, não evoluiram, mas os vinhos sérios querem-se com um perfil que não mude ao gosto do consumidor e que se vá mantendo ao longo dos anos, talvez por isso sejam considerados como um Clássico do Alentejo.
Anónimo disse…
Caro Pingus,

No meu caso a desilusão vai mais longe.

Aqui à uns anos ofereceram-me, uma Tapada de Coelheiros Garrafeira 1996 Magnum.

Qual não foi o meu espanto, quando à uns tempos atrás fui dar a volta à garrafeira, e vi que a dita Magnum tinha bolor no gargalo, logo estava a verter.

Ainda a tenho, e estou tentado e envia-la ao produtor como presente de Natal.

Gostava de saber a tua opinião.

Cumprimentos
Moraes
Justo disse…
Recentemente visitei este produtor e fiquei surpreendido por saber que desceram drasticamente os preços dos vinhos aqui mencionados.
Sinal dos tempos?
Um Tapada a custar 15€ e um Garrafeira a 24€. Preços bem mais realistas e ao nosso alcance.
Como casa elitista, concordo com a sua política. Efectivamente faz falta haver alguma diferenciação no meio de uma imensidade de marcas cada vez mais banais.

Provei as mesmas marcas mas de colheitas bem mais recentes (Garrafeira 2005 e Tapada 2007) e devo dizer que alcançaram as minhas expectativas mais elevadas. Sem dúvida Grandes Vinhos!
Parece-me que depois de viverem à sombra do resultado de 1 grande vinho (que o foi - Garrafeira 96) voltam a estar de parabéns.

Façam como eles e deixem o passado para trás.

Cumprimentos
J. Justo