Duas Quintas Reserva 2000

Acredito que se tenha instalado uma enorme febre no meio dos enófilos mais inveterados. Começo a reparar que andamos a empurrar-nos quase de forma violenta para chegar o mais longe possível. Imagino uma linha de intragáveis (onde me incluo), onde uns e outros tentam fazer pirraça com o que vão bebendo: "Eu já bebi este e mais aquele e mais o outro". Tudo numa lógica de competição (muito) pouco saudável, que nos afasta do real prazer que é saborear um vinho e bebê-lo até à última gota.
Farto de andar à procura das últimas novidades ou daqueles que nunca beberei, peguei em mais um vinho que estava encalhado no meu aglomerado de garrafas. Um vinho que foi ficando esquecido, deixado para trás.
O tinto, um Duas Quintas Reserva 2000, cumprimentou-me, naquele momento inicial, com um forte cheiro a azeitona preta, esmagada. Num ápice, colocou-me a viajar por entre aromas e cheiros que eram habituais na infância. Lembro-me do enorme regozijo que tinha quando regressava à cidade e dava lições da terra aos que nunca saíam de Lisboa e que olhavam para os que habitavam os vales como fossem um bando de trogloditas. Passados muitos anos, esses mesmos, continuam a pensar da mesma forma. Adoram o betão, deliciam-se com as praias apinhadas e consomem hiper-mercados. Sinto-me derrotado (começo a pensar que adoro causas perdidas).
Caramba, como é possível desviar-me do assunto por causa de um simples cheiro a azeitona, a lagar? Matei, mais uma vez, a vossa paciência (Já devem ter reparado, fujo a sete pés da tradicional nota de prova, porque de vinho percebo pouco e a imaginação vai safando o negócio). Coloquemos os pés, a caneta no presente.
Depois de esvoaçarem os aromas mais rústicos, surge um conjunto de cheiros florais. Flores silvestres. Neste momento, o nariz ficava preso a imagens campestres. O vinho parecia querer enfiar-me para o meio da terra quente, pejada de mato rasteiro, com o rio a correr lá no fundo.
Continuemos, antes que me perca, mais uma vez, em rodeios fúteis. Pareceu-me a dada altura, sentir um cheiro a encerado, a madeira envernizada (Alguns de vocês, se calhar, diriam que seria exótica), misturado com fortes sensações balsâmicas.
A doçura começou, a partir desta altura, acercar-se do copo. Uma doçura de intensidade leve, delicada, num registo que nada tem haver com as modernices de agora. Licor de ginjas, figo seco envolvido em açúcar em pó, casca de laranja caramelizada. Caramelo, baunilha e umas folhas de tabaco eram os responsáveis pelo fim (um modo de auto-disciplinar-me e não enveredar por loucas comparações que só serviriam para alimentar o meu ego). Tudo isto num timbre fresco, muito arejado.
Os sabores estavam repletos de sensações sedosas, de recorte fino. A acidez e os taninos apresentavam-se calmos, bem balanceados. Ele, o vinho, espalhava-se por todos os cantos (da boca) de modo subtil. Quando caía lá para baixo, ficava na memória um leve rasgo fumado e licoroso. Nota Pessoal: 17

Comentários

Pedro Sousa P.T. disse…
Eu sou daqueles que não provei um décimo dos vinhos que são apresentados na globalidade dos blogs Portugas. Nem tenho tempo, nem euros para ir a todas. Mas gosto de andar por aqui...
Abraço
Pingas no Copo disse…
Meu caro amigo, também eu não provei nem um décimo daquilo que se fala por todos os lados. Nem tempo, nem dinheiro, nem vida para chegar a todos.

Um abração.
Anónimo disse…
Olá Caríssimo Pingus,

Não achas que estás a ser modesto de mais quando dizes "...porque de vinho percebo pouco..."? Eu acho que sim, mas....

Gostava que saber qual é a melhor forma de conseguir fazer uma prova de vinhos correcta. Normalmente quando bebo vinho não consigo diferenciar o cheiro e/ou paladar.

Será que existe cursos que se possam frequentar?

Agradeço a tua ajuda, se possível.

Cpts
Pingas no Copo disse…
Caro amigo, sobre a melhor maneira de fazermos uma prova correcta.

Bom, a melhor maneira é provarmos com quem tem mais experiência que nós e que nos coloque à vontade para questionar, para falar, para dizer o que sentimos quando bebemos um vinho, mesmo quando aparentemente possamos estar a dizer asneiras.

Esta foi a minha maneira, provar em conjunto com quem sabe mais, com quem provou dezenas, centenas de vinhos e acredita que se aprende muito.

Sobre os meus conhecimentos de vinho acredita que são mesmo muito poucos. Não é falsa modéstia. Todos os dias vejo-me confrontado com assuntos, nomes (de vinhos, produtores) que desconhecia de todo.

Um abraço
NOG disse…
Bela descrição. É difícil não gostar do "Duas Quintas Reserva", apesar da fama recente ir para outros tintos mais potentes...

N.