Um pequeno exercício enófilo!

Proponho-vos um pequeno exercício de brincadeira que poderá ser também, se assim entender a comunidade, um curioso momento de reflexão (sobre a relação entre o que se escreve e a classificação que se atribui - relação biunívoca?).
Queria que olhassem para as seguintes notas de prova que coloquei em baixo. Retirei-as de uma das revistas do ramo que vivem penduradas nos diversos escaparates. Nenhuma delas, das notas de prova, sofreu qualquer alteração ao seu conteúdo, que pode ser comprovado posteriormente. Simplesmente retirei classificações e naturalmente as fotos dos vinhos.


1) "Chocolate, fruta vermelha e preta, especiarias, minerais, tosta doce. Firme na boca, com garra, corpo robusto, taninos rugosos, boa acidez e final de muito bom comprimento."
2) "Muito elegante, sofisticado, com fruta preta, minerais, tosta, tudo muito integrado. Tenso e estruturado na boca, com taninos firmes, corpo sedoso, muito fresco e sedutor, final muito lomgo."
3) "Destaca-se neste vinho a qualidade geral da fruta que apresenta, a enorme proporção entre as várias componentes, uma grande delicadeza da prova de boca que equilibra potência e subtilezas múltiplas. Um vinho para ir descobrindo e saborear lentamente."
4) "Fruta preta, madeira evidente mas sem excessos, chocolate minerais, complexo. Encorpado e texturado, com boa frescura, final longo e morno."
5) "Concentração muito forte de cor, com notas químicas no aroma austero, de fruto preto, madeira integrada. Tudo maduro e cheio. Bom volume de boca, fruta franca, taninos vivos, um tinto muito impositivo que precisa de tempo em garrafa."

Agora pergunto (façam um esforço para não irem à procura das citações), de forma solta e desorganizada:
Após lerem os textos ficam esclarecidos? Ou a esmola da classificação faz falta? Comprariam os vinhos, partindo de uma nota de prova despida de valores numéricos? Que classificação atribuíam a cada um deles? Quanto pagariam por cada um deles? Os textos conseguem demonstrar, sem margem para dúvidas, diferenças entre os diversos vinhos? Temos textos com conteúdo explícito ou nem por isso?  De que região ou regiões serão? Qual preferiam? 

Comentários

mariam. disse…
Eu sinto-me esclarecida e não sinto que me faça falta a classificação numérica.

Os números servem-me depois de eu já "conhecer" os gostos de quem escreve e estarmos em sintonia - senão, o que é de pontuação alta para uns pode ser um fiasco em mim ... gostos são gostos e são pessoais e intransmissíveis.

Acho que faz falta dizer de que região e que castas são, bem como o enólogo responsável - geralmente é um bom começo para me orientar. Se calhar essa informação virá no cabeçalho da "crítica" mas não a meteu aqui neste pequeno exercício.

Dito isto, nunca me tinha passado pela cabeça que a critica ou reportagem de experiências vínicas pudesse levantar dúvidas de carácter ético / deontológico em quem as faz. Associo sempre as pinguinhas a momentos de prazer ! Obrigada por este novo insight , se bem que à custa do seu sofrimento.

Bem haja e mantenha-se firme no caminho que mais lhe fizer sentido em cada momento.
Rui Pereira disse…
Rui,

Deixa-te de crises existenciais.

Depois do que escreveste mais razão me dás. NÃO PRECISO DAS NOTAS PARA NADA. Sim, ajudava que colocasses a região e a graduação.
Quanto à colocação do enólogo é muito relativa, pois por vezes fazem vinhos melhores do que outros. Outros há, que seja qual for a região fazem vinhos sempre iguais (e isto não me agrada). Reconheço, e faço mea culpa, que ajuda a paridade com eventuais pratos.
Pingas no Copo disse…
Estimado amigo, e em primeiro lugar não tenho nenhuma crise existencial. Ponto, sobre esse assunto apenas quero dizer que existe vida para além de...cada um que faça o que entenda e como quer. Acho que estou mesmo a falar para a parede. O problema é meu, terei que tratar dele.

Primeiro, os textos que coloquei serviriam para termos outras reflexões, já pensaste?

Por exemplo: os vinhos andam iguais? Conseguiríamos diferenciá-los? Qual prefiríamos? Qual serão os melhores?
Tínhamos e temos muita coisa gira para falar e entretermo-nos.

PS-As notas de prova não são da minha autoria, acho que fui claro.
JSP disse…
1) Após lerem os textos ficam esclarecidos?

Em parte. Junta a DO / produtor e a coisa melhora.

2) Ou a esmola da classificação faz falta?

Não é esmola: quem compra as revistas paga por ela ;) Pessoalmente, acho que dá jeito - por isso utilizo.

3) Comprariam os vinhos, partindo de uma nota de prova despida de valores numéricos?

Eu, como, acho, a maioria das pessoas, até os compro sem partir de qualquer nota de prova...

4) Que classificação atribuíam a cada um deles?

1. 16,5/17 - cheio, longo e complexo (quase de certeza novo), com ponta de rusticidade;
2. 17,5+ - elegante e muito coeso, fresco, longo, sedoso. se novo, e deve ser, porreirão;
3. 17+ - fruta e fruta, dizem que muito boa.. potente mas equilibrado.. um belo unoaked?
4. 16? tudo ok com ele, mas a madeira ainda evidente. pode ter acidez, mas o final é morno.. alentejano?
5. maduro, cheio, potente, com notas químicas (tn?tf?) talvez um douro ainda não completamente pronto. talvez 16,5/17. talvez.

5) Quanto pagariam por cada um deles?

Moi? Nada. Mas estou aberto à recepção de amostras.

6) Os textos conseguem demonstrar, sem margem para dúvidas, diferenças entre os diversos vinhos?

Sim, conseguem. o 1. ainda está pontudo, o 2., dizem, estará mais pronto a beber. A barrica deverá notar-se muito menos no 3 que no 4. O 5. precisa de tempo, o 1., talvez, também. Os 2. e 3. poderão melhorar, quem sabe, mas já estão muito ok.

7) Temos textos com conteúdo explícito ou nem por isso?

Já tratado em 6).

8) De que região ou regiões serão?

1. Alentejo 2. Dão/Douro? 3. Alentejo/Tejo 4. Alentejo? 5. Douro?

9) Qual preferiam?

O espécime 2.

*

E aposto que falhei espectacularmente. Era giro que mais alguém levasse à letra a proposta de jogar/responder - com efeito, é exercício engraçado e que levanta dúvidas. Food for tought. Boa, PV.
Pingas no Copo disse…
J... boa contribuição. A ideia era, simplesmente, essa e nada de existencialismos!
JSP disse…
e se o 3. for um belo branco.. bem, vou. thankie, RM.
Rui grande parte da crítica de vinhos despida do seu embrulho torna-se inócua e sem qualquer sentido. Muita gente não se dá conta disso e levam muito a peito o que vão lendo nas revistas... duvido que o façam, afinal de contas interessa a nota e não o que se escreve. Podes falar que foste passear ao campo e bebeste um vinho a que deste 18 e as pessoas ficam a saber que esse vinho é muito bom, ninguém quer saber se o vinho cheira ou deixa de cheirar.

Agora respondendo ao jogo... cá vai:

1) Após lerem os textos ficam esclarecidos?

Esclarecido sobre a qualidade ou sobre que vinho é que falamos ? Sobre região não, sobre produtor não, sobre país também não

2) Ou a esmola da classificação faz falta?

Já respondi

3) Comprariam os vinhos, partindo de uma nota de prova despida de valores numéricos?

Depende da informação e da maneira como a nota de prova me transmite essa informação. Alguns sim outros não.

Quando conheço a pessoa não me precisa de dizer quando deu, basta dizer que gostou.

4) Que classificação atribuíam a cada um deles? 5) Quanto pagariam por cada um deles?

1. 15,5 - 8€
2. 16,5 - 9€
3. 17,5 - 25€
4. 16,5 - 12€
5. 17 - 20€

6) Os textos conseguem demonstrar, sem margem para dúvidas, diferenças entre os diversos vinhos?

Sim, termos como rugosos, robusto, estruturado, sedoso, sedutor, delicadeza, texturado, complexo, volume... servem para isso mesmo

7) Temos textos com conteúdo explícito ou nem por isso?

Estou acostumado a textos maiores, faz-me aflição ver notas tão pequenas em vinhos que têm tanto para dizer.

8) De que região ou regiões serão?

Lotaria total... faltam-me descritores das castas, tudo muito singelo e básico. Até podem ser vinhos estrangeiros... vale o que vale.

1. Dão Douro

2. Dão

4. Alentejo

3. Clape Cornas (Rhone) hehe

5. Extraído, com notas químicas, um Alicante Bouschet do Paulo Laureano ?

9) Qual preferiam?

o 3
Pingas no Copo disse…
Olá JP, boa jogatana. Tens uns apontamentos curiosos.
Vamos esperar por mais dicas e depois revelo os verdadeiros nomes e classificações.
Pedro Sousa P.T. disse…
Vou tentar. Sucinto, pois não tenho cabedal para mais...

1º Nem por isso.

2º pelo menos, orienta-me um pouco.

3º Depende muito do factor numérico financeiro, infelizmente a minha carteira manda muito na minha vida.

4º Só mesmo provando, e acompanhado de uma boa comidinha.


5º Nesta, estou completamente à deriva...

6º Notam-se as diferenças, mas confunde-me algumas semelhanças.

7º Nem por isso...



Douro
Douro
Dão
Tejo
Alentejo

9º Estou inclinado para o 3

... e pronto, fico-me por aqui.

Abraço
O tema que propõe é interessante. Aí vão as minhas respostas:

— Não consulto notas de prova para ficar esclarecido, mas para conhecer as impressões do provador, em especial se tenho para com ele alguma afinidade. Acima de tudo, não tomo notas de prova por oráculos;

— A meu ver, a classificação é um indicador útil, mais simples e mais imediato do que a nota de prova, da qualidade que o provador reconhece no vinho;

— Não compro vinhos em função apenas de notas de prova, com ou sem classificação numérica;

— Pela minha parte, como não provo vinhos profissionalmente, dispenso-me de os classificar. No caso, para participar na brincadeira, arrisco adivinhar os números que suprimiu: 1) 16; 2) 17; 3) 18,5; 4) 16; 5) 16,5;

— Não vejo que seja possível inferir de uma nota de prova o preço do vinho, nem sequer o seu valor aproximado. Por brincadeira, diria que o terceiro e o quinto são os mais caros;

— De facto, não se consegue deslindar, por essas notas de prova, que grande diferença fazem uns vinhos dos outros. No entanto, em não se tratando de oráculos, porque não haveria de existir margem para dúvidas?;

— É verdade que as notas de prova de vinhos não primam pela clareza, tampouco, em muitos casos, por uma preocupação de objectividade, na medida do possível. O jargão e os chavões parecem levar a melhor sobre a ciência;

— Não faço ideia de que regiões serão esses vinhos;

— Preferia o terceiro: eu, enquanto haja vinho que conjuga «a enorme proporção entre as várias componentes» com «subtilezas múltiplas», não bebo doutro.

Saúde!
Pingas no Copo disse…
João Inácio, gostei e apreciei o seu post. Toca em questões muito interessantes quando refere que "não se consegue deslindar, por essas notas de prova, que grande diferença fazem uns vinhos dos outros" e que "é verdade que as notas de prova de vinhos não primam pela clareza, tampouco, em muitos casos, por uma preocupação de objectividade, na medida do possível. O jargão e os chavões parecem levar a melhor sobre a ciência;"

Cumprimentos cordiais.
Luis Prata disse…
Pingus, felicito-te por este exercício. Muito original.

São todos tintos à excepção do 3º que pode tb ser branco.

Regiões... é um tiro no escuro, impossível de acertar do meu ponto de vista, diria que qualquer região de Portugal encaixa em qualquer uma das descrições.

2, 3 e 5 talvez sejam os com melhor classificação e mais caros.

Se os comprava, bem tudo dependia do preço :)
Anónimo disse…
muito interessante a tua abordagem.
um abraço
João Pedro Araujo
Pingas no Copo disse…
Um abraço para ti tb JP Araujo e obrigado pela visita.
Abílio Neto disse…
Pingus,

E...? Isto tem de ser uma conclusão. (Bem, não "joguei"... mas como leitor, venha de lá a tua conclusão!)

As minhas conclusões, por conceitos, excepção feita na nota 3, onde os mesmos estão inferidos:

- "Fruta Preta" impõe-se.
- "Madeira" confirma-se.
- "Minerais" definem-se.
- "Taninos" afirmam-se.
- "Final" alonga-se.
- "Acidez" uma vez.
- "Elegância" é irrelevância.

Ou os vinhos são "todos iguais", ou quase, ou seja, o perfil varia pouco; ou os críticos devem andar a morrer de tédio ou a apostar em fazer-nos, os leitores, morrermos de tédio.

As minhas respostas as tuas questões:

a) Não fiquei esclarecido.
b) Não me faz falta a classificação. Faz falta melhor texto.
c) Sim (genérico, se fossem outras notas, com descritores mais distintivos) e não (especifico, se considerasse o baixo valor distintivo destas notas que pões aqui).
d) A mesma que os críticos atribuiram, indiferentemente de 15 a 18, para qualquer um, de olhos fechados.
e)Tinha de ver os rótulos ou teria de os ter bebido.
f) Não.
g) Não.
h) Não faço a minima ideia, mas desafio é desafio. Palpites... o 5) parece Dão; o 4) qualquer do Alentejo; o 3) Rui Reguinga; o 2) é do Douro, seguramente; 0 1) é coisa para a Nova Bairrada ou ainda continuamos no Dão.
i) Nenhum.

Abr.,

An
Pingas no Copo disse…
Espero chegar a conclusões da minha parte, é claro, se bem que conheço os nomes dos vinhos e as suas classificações.

Tocaste em aspectos muito curiosos no que respeita a descritores, isto é, repetição de sensações (comecei à pouco a escrever o epílogo do exercício e este era um dos aspectos que foquei). Uniformização de estilos.

Abraço