Sem Glória mas ...

Quando falamos de vinho, ou melhor quando mostramos rótulos ou garrafas alinhadas, esquecemos o essencial. Começo a sentir que tudo não passa de fogachos. Intensos no inicio, mas sem combustível para durar. Alinhamos as nossas pretensas amizades, pelo que nos podem oferecer em troca. Se tem muito valor ou não. Procuramos, sem excepção, impressionar o próximo. Acredito que, na maior parte das vezes, não tiramos prazer verdadeiro do chorrilho de garrafas que abrimos e do vinho que estragamos. Bebemos um trago e passamos logo para outra garrafa. Mas tem que ser algo que valha a pena.


Comprei no outro dia uma garrafa de um vinho que costumava beber amiúde, no passado. Bebia-o com prazer e enorme satisfação. Devo dizer-vos que senti vergonha interna ao estender o braço para alcançar a prateleira mais baixa do supermercado. Os vinhos que estão ao nível do chão situam-se, para a malta como nós, ao nível da zurrapa. São desprezíveis. 


Almoço de domingo. Comida de tacho, iniciada e preparada logo pela manhã. Bem cedo. Sem pressas e sem panelas de pressão. Feijão demolhado, couve lombarda, cenoura, barriga de porco, entrecosto, chouriços. Uma de carne e uma moira. O objectivo era recriar sabores e cheiros que se estão a esfumaçar perigosamente. As terras do sul e a distância estão a matar-me.


Enchi o prato, meti o vinho no copo. Timidamente meti as beiças, após a primeira garfada. Fiquei siderado. Como foi possível ter-me esquecido do que é fundamental? A diversão de estar à mesa e a beleza da simplicidade, do descomprometimento. O vinho, vejam lá, que parecia ter desconfiado das minhas desconfianças, alinhou com a vianda que tinha sido preparada. Singelo, de fácil interpretação, fazendo relembrar para que serve. Para parelhar com a comida e desembuchar. Apesar do momento não ter a glória ou glamour de outras ocasiões, que replicamos nas varandas do século XXI (redes sociais), possuía muito mais conteúdo e dimensão. 

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