Quinta do Cerrado Encruzado 2006

Vou descansar, um pouco, nos próximos dias. O ritmo tem sido bastante alucinante, não dando muito espaço para falar com os amigos, com a família, com a minha filha. É estúpido perceber que tenho perdido horas, dias da minha vida, a tentar educar os outros, a dar-lhes o melhor que tenho, que consigo, sem ouvir: obrigado. Mágoa, ressentimento? Claro.
Vou até lá a cima. Desde o final de 2006 que não sinto os ares, os cheiros da terra. A erva do quintal deve estar bem alta, a vinha precisa de ser tratada. As janelas da casa devem estar cobertas de teias. Preciso de as abrir, deixar entrar o ar da serra. Depois sinto falta da couvinha, da chouriça, do borreguinho assado no forno. Do pão negro. Prazeres carregados de simplicidade, que muito aprecio.
O único elo que vou tendo é o semanário que recebo aqui em baixo. Vou vendo, reparando nas dificuldades do meu povo, daquelas gentes que (ainda) vivem . Estão decididamente votadas ao abandono. Deve ser uma maçada, um bocejo para o governo da capital ter que tomar conta do interior, daquelas pessoas meio brutalhadas. Seria mais interessante governar apenas a pequena faixa junto ao oceano. Será que o governo da capital terá alguma previsão para a desertificação total do interior (de norte a sul)? Será que as modernas políticas de saúde têm como objectivo acelerar essa desertificação? Começo a pensar que sim.
Para despedir-me, proponho um brinde com um encruzado. Uma casta branca que muito aprecio, pela delicadeza, pela mineralidade, pela classe que possui. Bem trabalhada pode dar origem a brancos interessantes, capazes de evoluir com dignidade. Ofereço, para este brinde, um Quinta do Cerrado Encruzado 2006. Com muitas sugestões de erva verde, viçosa, salpicada pelo orvalho. Flores de mimosa, de tília, das maias marcam presença. Bastas sugestões de pedra molhada, lascada, fazem recordar a ribeira, a água a bater com força nas fragas. Leve impressão de casca de maçã verde. Evolui, discretamente, para notas amendoadas, meladas. Sempre num registo delicado, suave e com alguma complexidade. Na boca, mostrou corpo, frescura, elegância. Ficou a um passo de subir na classificação. Nota Pessoal: 15,5

Post Scriptum:
Entretanto, façam-me um favor. Tomem conta desta casa. Vão vigiando. Deixo-vos as chaves. Um abraço a todos e até já!

Comentários

Anónimo disse…
Pingus...

Vai daqui, de longe, um abraco e um obrigado pela educacao que prestas neste teu espaco. As vezes penso que com a qualidade que os sucessivos governos se apresentam, esse esquecimento a que o interior e votado, e uma bencao. Quanto ao vinho so bebi o 2005 e, apesar de nao gostar de dar notas a vinhos, parece-me um vinho com + numero!!!!

Bom retiro
Abracos
Pedro Guimaraes
Blog De Vinis disse…
Qué bien has descrito este blanco. Se hace imposible encontrar blancos dignos portugueses en Barcelona y es una pena porque hay que ayudar a la gente de aquí a superar el tópico del vinho verde. Hay vida más allá de ese vino blanco en Portugal!!!
Saludos!
Joan
Anónimo disse…
E não é que também vou para Mangualde? Boa Páscoa e bons vinhos.
Luis Prata disse…
Uma boa Páscoa, descansa e volta em grande.

Um grande obrigado pelos teus posts.
Eduardo Lima disse…
Pois é, Rui, parece que o povo do interior mudou-se para as páginas do Miguel Torga. Daqui a pouco veremos robôs produzindo vinhos de forma automatizada e padronizada. Bom, pelo menos alguns vinhos eu acho que já são feitos assim.
Anónimo disse…
Costumo beber com alguma regularidade o Malvasia Fina. falta-me experimentar esse encruzado.

PS- Que o descanso traga mais novidades.
Anónimo disse…
É um prazer ler os teus post. Este governo está-se nas tintas para as pessoas. Quer é ver numeros, o resto é conversa. Qualquer dia queremos ir passear para o interior, e arriscamos-nos a não ter ninguém para nos receber. Quanto ao branco, já o tenho na minha listinha para comprálo. Abráços, e boa viagem.
Caro Rui

(mais) Um excelente texto... Aproveito para te desejar uma optima viagem e uma Santa Páscoa para ti e tua familia.

Um abraço

Zé Tomaz
Anónimo disse…
Pingus não demore muito a regressar.
Cordiais cumprimentos.