Mais um encontro (que decorreu no dia 8 de Junho), mais um jantar, mais uma prova. Mais uma noite, onde o espirito enófilo foi levado a sério. Muito mesmo. Desta vez, o ponto de partida foi convidar um produtor que aceitasse estar sentado ao nosso lado e se disponibilizasse ouvir aquilo que temos para dizer sobre os seus vinhos. Que aguentasse, ou não, as asneiras que pudessem surgir a qualquer momento.
A escolha recaiu sobre um dos produtores mais irreverentes da Bairrada. Isso mesmo, desta vez não há imaginação, nem delírio da minha parte. A partir de um convite feito por moi e por outro companheiro (Jorge Sousa) conseguimos trazer até à capital o produtor Carlos Campolargo. A ideia era proporcionar uma prova cega com alguns vinhos deste produtor. Uma pequena provocação que queríamos fazer.
A escolha dos vinhos partiu do grupo que esteve presente, sem qualquer participação do convidado, que regularmente se encontra para medir o pulso ao que se vai fazendo por aí. Moi, Jorge Sousa, Francisco Barão da Cunha, Oliveira Azevedo, Paula Costa e João Quintela.
Assentámos praça, mais uma vez, no restaurante À Volta do Vinho, em Lisboa, que no âmbito dos seus jantares de quinta-feira, disponibilizou também alguns dos vinhos deste produtor aos seus clientes. Não eram os mesmos que entraram na nossa prova e jantar.
Os nossos vinhos foram decantados e numerados pelo pessoal do restaurante, sendo colocados de forma aleatória na mesa.
Os comentários sobre o conteúdo de cada decantador são meus, da minha responsabilidade. Não veiculam nenhum dos outros presentes. Baseam-se, como sempre, no prazer que me deram, bem como no maior ou menor nível de imaginação que tive para os caracterizar.
Calda Bordaleza 2004. Concebido com 75% de Cabernet Sauvignon, 15% de Merlot e 15% de petit verdot. Apresenta 15% de graduação alcoólica.
Se existe definição para vinho provocador, sensual e apaixonante este C.B. preenche todos os requisitos. Muito aromático, muito perfumado. Folhas de chá com flores de laranjeira. Balsâmicos e sugestões minerais de grande qualidade. Cedro, verniz. Fruta madura, sem ultrapassar o exagero. Dei comigo a imaginar coisas e mais coisas com este vinho. Algumas delas necessitavam de uma bolinha no canto superior direito do monitor. Recuso-me, portanto, a mencioná-las.
Na boca mastigava-se e saboreava-se. Bem desenhado. Nada fora da linha. A régua e esquadro.
Um vinho que desapareceu do decantador. Nunca os seus 15% de graduação se evidenciaram. Elegante, isto é que é elegância.
Nota Pessoal: 18
Média do grupo: 17,7 Diga? 2004. Com 14,5% de graduação alcoólica.
Fresco e balsâmico. Presença de especiaria, envolvida por uma suave torrefacção. Um lado mineral que fazia recordar apara de lápis, carvão ou grafite. Qualquer coisa deste género.
Na boca, com um comportamento super elegante. Muito afinado. Tudo no lugar. Com um final saboroso e perfumado.
Uma nota à parte. Carlos Campolargo achou este vinho com a madeira um pouco evidente e com uma perspectiva de evolução curta. Fiquei de boca aberta. Nem disse nada. A vergonha de fingir que percebo do assunto foi grande.
Nota Pessoal: 17,5
Média do Grupo: 17,16 Vinha da Costa 2003. Oriundo de um lote de Merlot, Syrah e Tinta Roriz. Com 14,5% de graduação alcoólica.
Bagas, ginjas e licores envolvidos num ambiente floral, junto com alguma pimenta (não me perguntem a cor). Sugestão de fruta preta. Denso, mas não pesado. Às vezes já nem sei o que hei-de dizer mais. Muitos de vós deverão achar que me repito. É provável. Eucalipto e Mineral.
Na boca sentiam-se os taninos bem envolvidos pelo corpo. Espesso. Num estilo que é capaz de ser consensual para muitos consumidores.
Nota Pessoal: 17
Média do Grupo: 17,08 Rosa Brava 2004. Feito exclusivamente de Syrah. Com graduação alcoólica de 13,5%.
Um vinho que não existe. Dito pelo próprio Campolargo. Ao que parece foi uma provocação da Winept. Foi esta empresa que teve a ideia de "construir" este varietal de Syrah.
Tive sempre muita dificuldade na apreciação do vinho. Por essa mesma razão o nível de qualificativos é menor. Mas atenção, não foi por essa razão que não deixei de apreciar ou de gostar. O seu comportamento enigmático também se valoriza. No entanto, e apesar de tudo, ainda consegui descortinar um lado metálico, terroso e mineral. Com personalidade e afirmação.
Uma entrada na boca com uma acidez algo elevada e taninos espigados. Mais uma vez, o seu comportamento requereu, da minha parte, atenção redobrada. Por limitação pessoal, não consegui descortinar mais nada.
Nota Pessoal: 16,5
Média do Grupo: 16,3
CampoLargo C.C. 2004. Elaborado com Castelão Nacional e Cabernet Sauvignon. Com 14,5% de graduação alcoólica.
Muitas amoras, muitas gingas. Morangos frescos. Fruta na árvore. Casca de laranja. Flor "doce" e licores. Mais directo, mas sem ser simples. Aliás, nenhum vinho foi simples. Todos eles tinham personalidade e a mão de alguém que sabe o que anda a fazer.
Na boca revelou o seu lado aromático, com a presença de uma acidez bem vincada. Álcool calmo. Alguma doçura.
Como disse Carlos campoLargo um vinho para ser bebido até à próxima colheita.
Nota Pessoal: 16
Média do Grupo: 15,75
Termeão 2003. Feito com 75% de Touriga Nacional, 10% de Castelão Nacional e 15% de Cabernet Sauvignon. 13% de graduação alcoólica.
Que diferença houve entre este vinho e os outros seus irmãos. Muitos couros, muita cavalariça no início. Cabedal. Azeitona esmagada. Com o decorrer do tempo foi possível descortinar casca de árvore verde, juntamente com terra.
Na boca, ácido, um pouco verde. Sem dúvida, estranho. Aliás, o produtor segredou-nos que este vinho está a mostrar comportamentos muito diferentes de garrafa para garrafa. No entanto, a comida acabou por ser um bom aliado para ele.
Nota Pessoal: 14,5
Média do Grupo: 14,92 Bom, como nestes encontros é necessário aconchegar o estômago. Convêm dizer-vos que começámos as hostilidades gastronómicas com um requeijão da Serra (que são para mim os melhores), crepe de lombardo recheado com cogumelos e galinha. Depois avançamos para um bacalhau assado no azeite e voamos para uma perna de pato também assada no forno. Confecção correcta, tudo no ponto, sem exageros. Combinaram muito bem com os vinhos bebidos. Porque a dada altura começámos a beber... e a prova ficou para para segundo plano. Um dos melhores jantares que tive neste restaurante. Pratos de confecção simples, mas de boa qualidade. Cumpriram muito bem a sua função.
Comentários
Só hoje percebi que és o Rui Miguel. Não quero deixar de te enviar os meus sinceros parabens pela evolução. As tuas notas de prova são MAGNIFICAS, e identifico-me com a maior parte delas.
Já sou um leitor diário deste teu Blog.
Zé Tomaz
Quando quiseres dá porrada no que não gostares!
Rui Miguel o Pingus Vinicus...
Agora com os lotes que apresenta tem tudo para ser uma mais valia para a região onde se insere.
Tenho é pena de não ter acesso aos vinhos deste produtor aqui no Alentejo mas pronto...
O DIGA? não tem vida longa devido ao Petit Verdot, que é uma bela casta mas não evoluí assim tão bem
Parabens pelo blog
Pedro Guimarães
Como disse, fiquei rendido às palavras do produtor.
Rui
Tenho uma dúvida relativamente ao "Diga?".
Até agora, tenho visto dizer, como na "Revista de Vinhos" ou pelo João Paulo Martins, que se deve guardar o "Diga?", mas vejo aqui dizer que o Petit Verdot não é para grandes guardas...
Com isto tudo fiquei sem saber o que fazer à caixa que tenho lá em casa ;)
Gostaria de o poder ajudar na sua dúvida. Mas também eu fiquei admirado com a observação do produtor. Pessoalmente tenho um grande desconhecimento da casta o que me impossibilita tecer grandes comentários.
De qualquer modo, eu arriscaria na guarda de algumas botelhas. E já agora como tem uma caixa, vá vendo a evolução que o vinho toma. É a melhor forma. Vá dizendo alguma coisa, certo?
Talvez o Pedro Guimarães possa passar por aqui e dar uma ajudinha.
Um abraço