Final. Terminou uma semana dura, longa, cansativa, quente de emoções. Fiz greve. Para mim, em defesa da minha dignidade pessoal, pelo respeito que mereço como individuo, como pessoa, pelo gosto e prazer que tenho naquilo que faço. Uma greve contra o chicote, a humilhação, a pancada. Greve, porque não sou culpado pelo défice público, pela fuga aos impostos que desgraça este país. Porque não sou culpado por sermos (des)governados por uma elite incompetente, medieval que nos orienta com chicote, que nos pisa, que olha para nós (o povo) com nojo e desrespeito.
Uma elite, palavra nobre demais para definir um conjunto de indivíduos, que se alimenta, que rapa tudo, que mina, que destrói como se fosse uma praga. Por vezes, imagino um fim da tarde, uma mesa redonda onde alguns comemoram, brindam, gargalham com as desgraças que provocaram: "Hoje aumentamos mais um imposto. Hoje lançamos mais uma taxa. Amanhã iremos diminuir os vencimentos. Para o mês que vem iremos sacar o subsídio do Natal. Tudo em prol do desenvolvimento do País, ou melhor tudo em proveito da nossa sobrevivência, do nosso sustento." Desculpem-me este desabafo. Precisava dele. É um grito de revolta. Um lamento. Se calhar, um choro.
Para reconformar-me e esquecer este rebuliço, desci as escadas e fui acordar um vinho que estava adormecido na minha garrafeira. Quase esquecido. Passou por um sono de sete anos. Foi há sete anos que casei com a minha cara metade. Foi há sete anos que decidi mudar de vida.
O vinho esse, foi retirado devagar da cama onde estava. Os aromas iam despertando de forma amena, lembrando a terra húmida, revolvida. Terra onde aparecem os cogumelos, os míscaros. Fui agitando lentamente, pausadamente, sem grandes pressas. Suspirava a pinheiro, a caruma, a pinhal. O perfume ia ganhando complexidade com os cheiros de folhas secas. Com o tempo, as frutas cristalizadas, os licores, a canela, o açúcar em pó davam ares da sua graça. O ambiente entre nós aquecia, ficava mais intimista, mais sensual. Era ele e eu. Mais ninguém. Ainda senti sugestões citrinas, acompanhadas por hortênsias. Exagero da minha parte.
Na boca, entrou de forma elegante, calmo, sem grandes alaridos. A acidez estava bem viva. Era refrescante. O corpo tomava conta dos taninos.
Um belo vinho, aristocrático. Um belo Dão. Para Beber, para reconfortar a alma, o espírito.
Lutei pela minha dignidade, pelo respeito que mereço.
O vinho tinha o nome de Quinta do Cabriz Touriga Nacional 1999.
Nota Pessoal: 17
Comentários
por um momento pensei que estavas no Brasil. Solidário ao confrade, abrirei também um vinho.
Grande abraço
Eduardo
Já provaste o Casa de Santar Touriga Nacional (T) 2000? Eu não sou mto fã do produtor, mas o TN de 2000 está um espanto, do estilo que gostas!
Um abraço,
N.