O vinho, quando nos diz alguma coisa, pode levar-nos para dentro dos meandros do nosso íntimo. Viagens solitárias, cheias de simbolismo, de códigos, de representações muito pessoais. Não sou excepção. Desta vez, numa sexta à noite, enquanto as minhas mulheres estavam noutra sala, coloquei-me defronte da minha lareira e olhei para as chamas. De copo da mão, trouxe à memória uma das coisas que mais gostava quando era puto. Andar, ir de comboio até à terra. Nos idos anos 70 e 80 ainda havia um certo romantismo nas viagens feitas em cima do cavalo de ferro. Sinais do sub-desenvolvimento da altura. A partida estava cheia de ansiedade. Queria abandonar a capital e chegar o mais depressa lá a cima. A viagem chegava a durar 8, 9 horas. O tempo tinha que passar depressa, num ápice. Santa Apolónia, o local do início da jornada. O apito dava sinal para a partida.
A primeira etapa desenrolava-se no meio de uma paisagem industrial, cinzenta, um pouco apocalíptica, desorganizada. Era a partir da capital do Mondego que devorava as paisagens. Queria olhar para o que não havia na grande urbe. Os quintais, as casas espalhadas pela floresta, os pastores, as hortas começavam a marcar presença. Abria um pouco a janela e os cheiros, os aromas frescos e perfumados entravam e espalhavam-se pela carruagem. Enrolavam-se com o ferro, com o alumínio.
As paragens demoradas nas estações serviam para observar, com cuidado, os comportamentos das populações nativas. Traziam roupas que julgava só existirem em fotos. As mulheres de lenço na cabeça, atados de forma engraçada e curiosa diziam que estávamos a caminhar para o norte. Vendiam aos viajantes alguns singelos prazeres. Uma bilha de barro com água fresca, um rebuçado de mel, uma regueifa. Davam sempre jeito. Outras vezes, largavam um recado a alguém que vinha no comboio. Autêntica peça de teatro, cheia de recortes coloridos e alegres.
A primeira etapa desenrolava-se no meio de uma paisagem industrial, cinzenta, um pouco apocalíptica, desorganizada. Era a partir da capital do Mondego que devorava as paisagens. Queria olhar para o que não havia na grande urbe. Os quintais, as casas espalhadas pela floresta, os pastores, as hortas começavam a marcar presença. Abria um pouco a janela e os cheiros, os aromas frescos e perfumados entravam e espalhavam-se pela carruagem. Enrolavam-se com o ferro, com o alumínio.
As paragens demoradas nas estações serviam para observar, com cuidado, os comportamentos das populações nativas. Traziam roupas que julgava só existirem em fotos. As mulheres de lenço na cabeça, atados de forma engraçada e curiosa diziam que estávamos a caminhar para o norte. Vendiam aos viajantes alguns singelos prazeres. Uma bilha de barro com água fresca, um rebuçado de mel, uma regueifa. Davam sempre jeito. Outras vezes, largavam um recado a alguém que vinha no comboio. Autêntica peça de teatro, cheia de recortes coloridos e alegres.
Seguíamos viagem. A paisagem, a vista, à medida que avançávamos, tornava-se mais rude, mais pura, mais enigmática. A linha estendia-se ao longo dos rochedos, num caminho estreito, quase ausente de luz, como se estivéssemos atravessar um longo túnel. A hora da merenda, da bucha, chegava. Um passar pelas brasas para descansar. Faltava um bom bocado para terminar a jornada. O destino ainda vinha longe. No fundo, pretendia que o tempo, o comboio caminhasse velozmente. Por vezes, tinha sorte. "Chegámos".
Toca a tirar as malas que a carreira está à espera para seguir caminho para o povo. O motorista era um conhecido. As perguntas repetiam-se viagem após viagem. "Então, como estão as coisas lá para baixo?. Estudos vão bem?. Quem tens à tua espera?". Respondia invariavelmente o mesmo. A avó, estava à espera. Era tempo de ir procurar os amigos, ouvir as novidades da terra. Da minha parte, estava encarregue de contar as histórias da cidade e dos seus avanços. De um e do outro lado, contava-se o que se tinha para contar.
Toca a tirar as malas que a carreira está à espera para seguir caminho para o povo. O motorista era um conhecido. As perguntas repetiam-se viagem após viagem. "Então, como estão as coisas lá para baixo?. Estudos vão bem?. Quem tens à tua espera?". Respondia invariavelmente o mesmo. A avó, estava à espera. Era tempo de ir procurar os amigos, ouvir as novidades da terra. Da minha parte, estava encarregue de contar as histórias da cidade e dos seus avanços. De um e do outro lado, contava-se o que se tinha para contar.
O regresso, também de comboio, era muito mais triste, e muito mais rápido. Era o retorno à vida real. Cada minuto que passava era o prelúdio do fim.
Os amigos da cidade sempre olharam com muita curiosidade e com algum sarcasmo para a paixão que tinha pelos assuntos lá do campo. Nunca compreenderam e ainda não compreendem. No fundo e passados todos estes anos, guardo dentro de mim o desejo de voltar. É como se fosse parte integrante daquelas terras. O vinho esse, foi um Quinta dos Carvalhais Reserva 2000 elegante, calmo e inspirador. Nota Pessoal: 17
Os amigos da cidade sempre olharam com muita curiosidade e com algum sarcasmo para a paixão que tinha pelos assuntos lá do campo. Nunca compreenderam e ainda não compreendem. No fundo e passados todos estes anos, guardo dentro de mim o desejo de voltar. É como se fosse parte integrante daquelas terras. O vinho esse, foi um Quinta dos Carvalhais Reserva 2000 elegante, calmo e inspirador. Nota Pessoal: 17
Comentários
viajei sem stress pela linha da Beira Alta ao longo deste post. E o vinho? A sua nota de prova, a sua descrição? É o que menos importa nestes momentos.. Mas que é um belo tinto isso nao tenho dúvidas...
Boas provas!!
Belo texto, cheio de aromas de memorias...e o vinho bem integrado na estrutura. Que e' como se quer!!!
Abracos
Pedro Guimaraes
Zé Tomaz
A nota é merecida, conheço o vinho. Aqui há tempos bebi com um foie gras poellé uma preciosidade da Quinta de Carvalhais, o Colheita Tardia 1995, coisa de deuses! A minha nota pessoal foi 18,7. Até tinha o aroma dos pinhais molhados, de resto com um nariz riquíssimo e com uma boca ainda melhor. Coisas boas que esta terra dá!