Soberana

Isto de vir a público para falar sobre vinho, torna-se em, muitos momentos, uma obrigação. Ter que escrever qualquer coisa, sobre qualquer vinho. É encher o saco, é manter a fogueira acesa. O mais estúpido e revelador de falta de inteligência, é que sou amador, não ganho dinheiro e não vivo disto. Um belo exemplo de auto-flagelação. Neste caso, pura auto-flagelação enófila.
Acabei por forçar um texto sobre um vinho das Terras do Sado (apesar de ter nascido no Alentejo). As palavras que irão ler são, naturalmente, forçadas, com pouca emoção, agravadas pela pouca afinidade que tive com o vinho.
Um tinto de 2004, extraído, escuro, muito ao género da moda. Atreveria-me a dizer que um anglo-saxónico era capaz de gostar (muito) dele. A componente química (a velha sugestão a tinta da china esteve presente) tornou-se no bilhete de identidade do vinho. Depois uma curiosa e forte sensação a cera fez-me lembrar aquelas manhãs (de sábado) que a minha mãe escolhia para dar lustro ao pavimento da casa. O cheiro era forte. Impregnava a casa. Fazia-me saltar da cama. Seria de propósito? O chocolate surgia na versão negra, amarga, robusta, quase no estado puro (nunca vi cacau no estado puro). Mesmo não gostando muito de doces, diria que um pouco de açúcar ajudaria, eventualmente, a arredondar os aromas. O tabaco, juntamente com algo parecido a caramelo, dava a entender que mais nada viria atrás.
Os sabores eram, tal como os aromas, pesadotes, irrequietos e amargos, com a tal componente química a marcar presença. A acidez, relativamente alta, acabou por ser um bom ajudante de campo. Refrescava. Um final amargo, deixando inspirações a tabaco e chocolate preto. Pareceu-me pouco gastronómico, um pouco cansativo, mas não passa despercebido. Um estilo. Nota Pessoal: 14,5

Post Scriptum: Coitados dos provadores profissionais que vivem do vinho. Ter que provar mesmo sem vontade.

Comentários

Luis Prata disse…
Também acho que um provador deve perder um pouco o "gozo" da prova, mas haverá excepções de certeza.

Acho que temos sorte. Eu pelo menos não gostava de ser um provador.. estou muito bem no meu lugar de apreciador e não quero sair daqui.

Quanto ao vinho em si, com tantos aromas balsâmicos e odores "de fogo"... não parece ter perfil para acompanhar muitos pratos.
prtbarata disse…
Caro Rui,

Já provei este vinho na semana passada e não tive, nem de perto, as mesmas sensações que descreves na tua prova...

Gostei do vinho em causa e que até me surpreendeu um pouco, dado que se trata de um região com poucas novidades em termos de novos lançamentos.


Achei a boca bem volumosa e cheia, taninos com grande vigor e vivacidade, sendo o final longo e muito persistente, tudo numa cor muito escura que em prova cega nunca diria que seria de Setúbal.


Mas como temos gostos diferentes e opiniões, por vezes, também diferentes, é algo normal de acontecer, estas diferenças...

Abraço!
Pingas no Copo disse…
Caro Pedro disseste:

"Achei a boca bem volumosa e cheia, taninos com grande vigor e vivacidade, sendo o final longo e muito persistente, tudo numa cor muito escura que em prova cega nunca diria que seria de Setúbal."

e

"(...)cor muito escura (...)"

Completamente de acordo. Aliás, não discordaste nem um pouco do que eu disse. Escolheste, apenas, palavras diferentes.

Assumo, com naturalidade, que os gostos (o meu) influenciam determinantemente a nota final. O que é importante é que os descritores sejam na sua essência comuns (apesar de cada um escrever do modo que achar mais conveniente).

Um abraço
Anónimo disse…
Acho interessante observar os diferentes estilos e as diferentes maneiras de provar.

É pena vivermos num país pequeno, pois seria giro ver surgir mais uns quantos críticos. Seria uma bela confusão.
Pingas no Copo disse…
Luís é interessante a tua ideia. Mas o país, como dizes, é muito pequeno.
Poirot disse…
Aprecio bastante este vinho, que uso normalmente quando recebo pessoas em casa. ( Nas ocasiões especiais bebo Paulo Laureano Alicante Bouschet, bastante mais caro, é certo, mas gosto do Soberana, para o preço.)