Uma decisão polémica

O cenário era composto por três vinhos alinhados, que foram caindo para dentro do copo na mesma altura. Estiveram, durante algum tempo, a olhar para mim. Notava-se o esforço que faziam para que um deles fosse escolhido como o melhor. O silêncio encobria uma aguerrida disputa. Ninguém queria ficar preterido. A liça, apesar de curta, foi acutilante e voraz.
Não descortinei um claro vencedor, que esmagasse os seus adversários. Estavam todos bem preparados. Eram, apenas, vinhos com estilos, modos de estar diferentes.
Tive que decidir, tive que optar. A decisão foi controversa. Houve reclamações e contraditório. Um deles não ficou nada satisfeito. Barafustou. Tinha, segundo o próprio, demasiados argumentos para vencer sem qualquer contestação. Julgava-se mais apto, mais próximo do que se pretende de um Colheita Tardia. Notei um pouco de altivez (desnecessária). As (minhas) deliberações foram, sem dúvida, polémicas e provavelmente (muito) pouco consensuais.

H.E. Late Harvest 2006. Acordou para a sessão com aromas que fizeram lembrar combustível, que se envolviam suavemente com algo que recordava pão quente, panificação (Pensem numa padaria a laborar ao longo da noite). O caminhar foi delicado, muito cativante, onde, por momentos, odores a erva verde e calhau molhado proporcionavam um ambiente primaveril. A doçura era disponibilizada através de umas nesgas de nougat. O corpo apresentava (alguma) elegância e descrição. Níveis de doçura pouco elevados. Frescura bem projectada.
Pareceu-me que não tinha grandes argumentos para evoluir em garrafeira, mas fiquei surpreendido pelo equilíbrio e acerto que demonstrou. Cometi o sacrilégio de lhe atribuir a Nota Pessoal de 16,5.

Projectos Vindima Tardia 2003. Muito seco na fase inicial. Aliás, a secura marcou indelevelmente o perfil aromático deste Niepoort Tardio. Mais uma vez, os aromas petrolados andaram por perto misturando-se, desta vez, com flores brancas e feno. Na boca, o paladar era fresco e seco. Manteve a balança da doçura bem equilibrada. Pareceu ter capacidade para evoluir com dignidade (Acidez bem colocada).
Em linhas gerais, um vinho muito afinadinho que revelou ser diferente. Um projecto bem conseguido. Atribui-lhe a Nota Pessoal de 16,5.

Grandjó Late Harvest 2005. Ora aqui está o vinho que me deu água pelas barbas. Mais melado que os anteriores. Com um estilo mais tradicional, com uma forma de actuar mais consentânea com o que estamos à espera de um Late Harvest (Esta afirmação deu pano para mangas. Discutiu-se, e muito, a ideia de que não podemos olhar para este Grandjó como o único exemplo a seguir).
Uma trupe constituída por casca de laranja caramelizada, mel e passas encarregou-se da actuação. Muito voluptuoso, com alguma gordura e doçura que se podiam (eventualmente) dispensar. Os sabores eram, naturalmente doces, gordos e cheios. Fui martirizado ao atribuir-lhe a Nota Pessoal de 16.

De qualquer maneira, gostos e polémicas à parte, estive perante uma pequena amostra do que se anda a fazer em Portugal no que respeita a colheitas tardias. Não fiquei desiludido (Tomar nota que o conhecimento que tenho sobre este tipo de vinhos é muito reduzido).


Comentários

Anónimo disse…
Viva, meu carissimo amigo.

Antes de mais peço desculpa pela minha ausência nos comentários às tuas intervenções, sempre bastante interessantes, neste espaço onde verdadeiramente me sinto "em casa".

Mas desta vez cá arranjei um tempinho entre afazeres, para poder meter a minha colherada...e logo a discordar...

É que essas 3 pingas(como tu gostas de dizer) tb me passaram na mesma altura pelo nariz e boca.

E sem querer degladiar gostos, porque estes dificilmente se discutem, como por aí se diz. De facto, penso que acabas-te por te contradizer porque assumes que este foi o L.H. com um registo mais parecido com a tipicidade tradicional deste tipo de vinho e depois acabas-te por o penalizar em relação aos outros.Os outros podem ter sido mais do teu agrado, mas eu diria, na minha humilde opinião, que se aproximam menos daquilo que se espera de um vinho dentro desta tipicidade.

Apresentaram-se menos equilibrados entre a doçura e a frescura, ao mesmo tempo que são francamente menos intensos e exuberantes no nariz.

Admito que este grandjó esteja ligeiramente mais doçe do que fresco, tendo em conta uma ou outra colheita anterior, mas meu amigo nesta prova chegou e sobrou para os outros 2.

Penso que podes ter ficado limitado pela tipicidade daquilo que são os L.H. nacionais mas...

Por outro lado sei que te dás mal com a "altivez"...:))
Anónimo disse…
Caro pingus,
há sempre uma altura em que se tem de discordar... E ainda bem q assim é!
Ainda não provei o Niepoort, por isso abstenho-me de o comentar mas relativamente aos outros 2 a minha pontuação seria no mínimo a inversa IMHO. Acho até que alargava o intervalo. Sinto a falta de acidez no Esporão como um grande handicap.
A nível português do que já provei punha o Grandjó em primeiro, o Casal Figueira em 2º, o Qt da Romeira em 3º e só depois o HE, o Qt da Alorna e o Outono de Santar.
O Niepoort como não provei não sei onde aparecia.

Mas isto é a beleza da prova: a sua subjectividade!!
Boas provas!
Luis Prata disse…
Nunca experimentei um colheita tardia .. fiquei tentado.

1 abraço
Pingas no Copo disse…
Caro fisiopraxis, pelo contrário, ao olhar para os outros dois encontrei um balanceamento mais correcto entre a doçura e acidez.

De qualquer modo, e para animar a conversa discordo quando dizes que o Grandjó é o que se aproxima mais do real estilo de um colheita tardia. Acredito piamente que possam existir outros caminhos (e têm que existir). E olha que esteve lá outro desalinhado (se te lembras, não fui o único). :)

A questão que levantei, na altura, é que provavelmente estaremos moldados pelo Grandjó o que poderá ser um pouco redutor (aliás é facilmente identificável).

Pessoalmente não posso fazer grandes extrapolações sobre o que deve ser um LH. Não conheço a realidade deste tipo de vinhos.

De qualquer maneira, e tu como dizes e bem, aprecio muito mais a delicadeza do que a altivez. O meu ponto de referência nacional é o Casal Figueira.
VinhoDaCasa disse…
Tenta provar o Aneto Late Harvest e dpois diz qualquer coisa...
Para mim o melhor colheita tardia português.

Pingus, vais andar pelo EVS no sábado?
Anónimo disse…
Na minha opinião, em traços gerais o L.H.Esporão tinha falta de acidez e frescura.

Já o L.H.Niepoort apresentou-se demasiado seco e com uma acidez agradável mas que se sobrepôs tudo o resto.

Podem até existir outros caminhos mas que passaram sempre por um bom equilibrio entre a frescura e os toques adoçicados.

Provávelmente eu e tu até poderemos estar moldados pelo Grandjó, mas estiveram por ali outros narizes e bocas que já provaram muito do que se faz lá por fora no que respeita a colheitas tardias, e a opinião geral foi de que este era o que se aproximava mais da caracteristicas de um L.H.

Bem sei que houve outro desalinhado mas num grupo de 8, dois ainda é minoria...:))

Por outo lado a prova foi cega o que dá mais crédito ao resultado final,que ditou sem problemas o Grandjó como vencedor deste triplo confronto.

Não quero com isto minimizar a tua opinião, nem a de ninguém, como é lógico e claro.

Não foi nesse dia que estavas constipado e com alterações do paladar?...


Tb provei o Aneto L.H. recentemente e gostei. Côr dourada bastante atrativa, doçura bem envolvida pela frescura conferida por uma acidez citrina. Francamente melhor que os dois companheiros de prova do Grandjó.

Abraço
Anónimo disse…
Fico à espera dos relatos dos tintos.

Venha daí essa inspiração...
Anónimo disse…
desculpem, o anónimo sou eu.
Pumadas disse…
Viva,

Na realidade, de todos os chamados "LH" que por cá temos, acho que só o Grandjó, e agora o Aneto, pertencem a classes diferentes. A questão essêncial é que não podemos estar a comparar Botrytis com vindima tardia. Um tem a podridão nobre, os outros têm a sobrematuração da uva e em alguns casos, alguma botrytis.

O Grandjó é exemplo a seguir no seu estilo( Sauternes), e nesse estilo não dá muita hipótese.
My 2 cents



Abraço,
Pingas no Copo disse…
Vinho da Casa, estarei no EVS juntamente com meu grande amigo fisiopraxis.

Referir que determinado vinho como "o melhor" de uma "determinada categoria" é pessoalmente muito arriscada. Eu não sou capaz!

Imagina que estás perante um grupo de amigos e existem uns quantos (basta um) que consideram esse vinho não tão bom como tu achas? Estarão eles errados? Estarás tu certo?

Abração
Pingas no Copo disse…
O Pumadas fala numa coisa que, para mim, é muito importante. O estilo!
Ora estilos, existem muitos e todos eles tem espaço.

Agora, seria importante saber de antemão se os vinhos têm ou não Botrytis. Se calhar estará aí a diferença e o contra-rótulo do H.E. fala textualmente em uvas sobrematuradas.

Ponto de ordem, partilho a opinião (atenção nunca afirmei o contrário) que o Grandjó marca pontos no estilo que apresenta.
Mas continuo achar redutor pensar só nesta visão!

A questão, a tecla que toco (provavelmente em demasia) é que existe espaço para outros tipos de colheitas tardias, atacadas ou não por Botrytis.

Fisiopraxis, eu sei que a prova foi cega. Mas sabes muito bem que esse tipo de provas (que são muito interessantes) reflectem apenas as médias do painel e por entremeio pode faltar muita coisa que merece ser discutida e não o é. Além do mais, apesar de ser cega, se te recordares todos os presentes quase que adivinharam o Grandjó...

Depois como sabes, um individuo pode ser "levado pelo conjunto" (estamos a entrar na psicologia de grupo e que seria interessante discutir no âmbito dos vinhos - quantos de nós compra porque se diz que A é melhor que B?). :)

Como deves ter reparado em todo o texto assumo com frontalidade que a minha opinião é polémica e será polémica, mas possui o mesmo valor que a dos que argumentam o contrário. Desculpa-me esta soberba pessoal. :)

PS- Boca e nariz bem limpinho :)
PS1- Sabes que sou tudo menos consensual. :)
Pingas no Copo disse…
Fui dar uma vista de olhos ao site da Niepoort e diz o seguinte sobre o Vindima Tardia: " todas as uvas com botrytis separadas para não entrarem no Redoma branco ou Redoma Reserva" O objectivo foi fazer um vinho leve com muita acidez ao estilo "mosel" alemão".
Esta última passagem é curiosa porque os "desalinhados" falaram precisamente no aspecto tendencialmente "pouco português" que teria um dos vinhos.

De qualquer maneira, dêem uma leitura mais atenta à ficha técnica do Vindima Tardia e perceberão que na prova estávamos perante 3 formas diferentes de fazer um Colheita Tardia!

Ora, mais uma vez encaminho a conversa para a criação de novos estilos, de novos caminhos para os vinhos de Colheita Tardia.
Dentro dos seus estilos, dentro dos gostos, talvez tenhas 3 vinhos diferentes mas em que o LH mora no rótulo.

Cada um tem o seu respectivo leque de apreciadores, cada um tem pratos com que ligam melhor ou pior.

Eu se quiser um docinho fresco compro o LH Esporão, sabe muito bem num ambiente descomprometido em ambiente de festa.

Se procurar algo mais sério e para acompanhar um ou outro prato, Granjó sem qualquer espaço de manobra para outros Portugueses do mesmo panorama (não provei ainda o Aneto).

O Niepoort dada a sua ínfima e reduzida produção, sem falar que não tem continuidade, serve como curiosidade.
Pingas no Copo disse…
Tudo bem, não discuto isso. Penso que não valerá tocar outra vez na tecla, porque a questão, que está mesmo em cima da mesa, são os diferentes modos de fazer um L.H. Ponto. Todos eles têm espaço, todos eles podem e devem ser provados, testados.

Depois não me preocupo minimamente se um vinho foi feito como experiência, se vai ter continuidade ou não! Interessa-me como apaixonado pela cousa, perceber a lógica do vinho e depois em última análise tirar partido dele ou deles. Nem que seja uma única vez. O resto são literalmente amendoins! :)

Terminando, a lógica deste texto foi partilhar com vocês que, às vezes, andamos a reboque de uma "consensualidade frágil". Será que se preferirmos A em detrimento de B, C e D (mais famosos) seremos menos considerados? Não creio, seria (muito)mau se assim fosse. Teríamos de andar todos alinhados pela mesma bitola.
Lembro-me, neste momento, do texto que escrevi sobre o Gaivosa. "Caiu o Carmo e a Trindade". :)

Sabia que a coisa iria ser polémica, como é assumida e bem visível nas palavras que escrevi (acredito que a malta se perca nos desvairos pessoais e ligue apenas às notas), mas achei por bem vir a terreno partilhar. Seria muito mais fácil calar-me. Mas sabes que não sou assim!
Anónimo disse…
Meu caro e estimado amigo Pingus.

Apreciamos-te porque nunca deixas de dizer aquilo que pensas e ainda bem.

Esssa é uma das razões da leitura e participação dos que por aqui passam por este espaço onde calculo que toda a gente se sinta em casa.

No que diz respeito à prova destes 3 L.H., apesar ade assumir que alguns tenham identificado aquele vinho que poderia ser o Grandjó, não me parece que isso tenham influenciado de forma significativa o painel. Conheçes tão bem como eu os provadores em causa, para se poder afirmar isso com bastante segurança.

Todos "malhamos"(ou valorizamos) quando temos de o fazer, independentemente de rótulos ou produtores. Esta é a minha mais sincera opinião depois de 5 anos de prova com este painel.

Daqui aproveito para saudar todos esses "paineleiros", pelo menos os que por aqui gostam de passar, mesmo que de forma "silenciosa"

Abraço
Amigo Pingus, eu não meto as coisas na questão dos preços como tu bem sabes. São bem conhecidos os vinhos que são muito caros e no final ficamos com aquela expectativa defraudada... e por vezes o ser mais barato pode ter a mesma qualidade.

Tudo isto sempre com atenção para o gosto e opinião pessoal. Gosto dos 3 exemplares mas cada um tem o seu momento de glória.

Quanto o Parker dá 96 pontos a um vinho que custa 300€ também dá os mesmos 96 pontos a um vinho que custa 30€ , mas alguns devem comprar o mais caro, são opções de vida, e afinidades aos rótulos. Fica melhor dizer que se bebeu este do que se bebeu aquele.
Pingas no Copo disse…
Fisopraxis, agradeço as tuas palavras.

Quando falei em painéis de prova cega, estava a falar em termos genéricos e não neste painel especifico (que tenho muito orgulho em pertencer). Mas sabes que em muitas casos as médias reflectem isso mesmo: A média.

Pessoalmente é muito mais interessante discutir outras variáveis que "transmitam mais cor" à conversa.

Abração
Pingas no Copo disse…
"Quanto o Parker dá 96 pontos a um vinho que custa 300€ também dá os mesmos 96 pontos a um vinho que custa 30€ , mas alguns devem comprar o mais caro, são opções de vida, e afinidades aos rótulos. Fica melhor dizer que se bebeu este do que se bebeu aquele."

Copod3 inteiramente de acordo!

Abração
NOG disse…
(... chegando tarde à discussão...)

Curiosamente provei o Grandjó e o Aneto lado a lado em prova cega e devo dizer que o primeiro me pareceu superior ao segundo. Aliás, gosto mesmo bastante desta colheita de 2005 no Grandjó.

Parece-me que o Aneto LH poderá ter grande futuro (à semelhança do tinto colheita) mas, na minha opinião, ainda não "roubou" (por agora...) o 2.º lugar do pódio ao Casal Figueira (concordo muito com o Chapim disse atrás).

Abraços,

N.
João Barbosa disse…
aqui está uma bela selecção, de que me falta provar dois terços dela... :-)
Anónimo disse…
Caramba, para mim é quase chocante assistir a uma discussão sobre um assunto que não percebo nem um pouco.
Anónimo disse…
Caros companheiros.

É simples. Este fim de semana pode ser uma boa alternativa para os poderm provar no Encontro do Vinho e Sabores...na FIL.

É provar, comunicar e aprender.