No meu currículo de enófilo, participei em poucas provas verticais. Dizem os verdadeiros especialistas que provas verticais são excelentes momentos para percebermos a filosofia de um produtor, observar eventuais mudanças de estilo e tomar o pulso à evolução dos vinhos.
Irei apresentar-vos e partilhar alguns comentários sobre duas provas verticais em que participei recentemente (Três Bagos Grande Escolha e Pintas). Pequenas amostras baseadas em 3 colheitas: 2001, 2003 e 2004. Verdade seja dita, falamos de nomes que existem há poucos anos.
Dividi a referida prova em dois textos que serão publicados em momentos distintos. A leitura fica mais facilitada, permite analisar melhor o perfil do produtor e dos vinhos. Tentei ser objectivo, directo e simples no discurso. Evitei ao máximo meter-me por caminhos enviusados, apesar do prazer que tenho em perder-me no meio dos vários enredos que teço sobre o vinho. Ele é, para mim, um elemento que deve proporcionar prazer, feito para fazer companhia nas viagens. Assim continuarei. Regresso ao que interessa.Três Bagos Grande Escolha, Lavradores de Feitoria. O topo de gama desta associação de produtores do Douro. Estamos perante um vinho que passa, em muitos casos, completamente despercebido. Não é a primeira escolha quando falamos em topos de gama. Diria que é injustamente preterido. Tal como num filme, existem actores que podem enriquecer o elenco. E este desempenha muito bem esse papel. Mas adiante.
Na colheita 2001 surgiu inicialmente com face ligeiramente rústica, onde sugestões a lagar combinavam com cheiros vegetais. Deslumbrava-se no horizonte um tinto com cunho clássico e muito personalizado. O balsâmico, o silvestre, bem como uns valentes nacos de flor rasteira reforçavam o toque vegetal. Impressionante a largada de ervas aromáticas. Rodopiavam em roda-viva. Tomilho, alecrim, carqueja, erva-doce. Um conjunto de aromas, de cheiros, de odores, onde a fruta nunca ditou leis. Tudo bem feito.
Na boca, comportamento distinto. Os sabores revelaram classe e aprumo. Surpreendente, mais uma vez, o equilíbrio demonstrado. Sem magoar, sem aleijar.
Não teve percalços no caminho que trilhou ao longo destes 6 anos. Agora, com a idade virou-se para a contemplação. Quem o tiver, durma descansado ou, em última análise, beba-o. Faça como quiser, não haverá arrependimentos. Nota Pessoal: 17,5
Colheita 2003, ano diferente. Semelhanças apenas no cunho vegetal, na rusticidade. De resto, andou um pouco longe da classe, da complexidade, do anterior. Apesar das diferenças, valeu pelas interessantes sensações minerais que foi largando ao longo da prova. Muita lasca de pedra, muita lousa. A alfazema tentou, sempre que lhe era possível, perfumar o copo.
Os sabores surgiam um pouco débeis. A acidez insinuou-se de tal maneira que me levou a pensar que tinha, ali à frente, um vinho com aptidão gastronómica. Foi curioso constactar que uma colheita mais recente e quente, deu origem, em termos gerais, a um vinho pouco frutado, pouco quente e aparentemente fresco. Não deixa de ser interessante. Nota Pessoal: 15,5
Colheita 2004. Pareceu-me ser uma colheita de transição. Foram feitos compromissos entre o passado e o futuro. O lado vegetal detectado nas outras duas colheitas, apesar de voltar a surgir em 2004, mostrou-se, agora, recheado pela fruta e pelas passas. O cacau amargo e o chocolate que surgem aqui, ajudam a mudar a face do vinho. Cheiros mais pujantes, mais vivos. A juventude a falar. As sensações terrosas e a esteva reforçam a força do vinho.
No paladar revelou (alguma) ligeireza que não esperava. Boa acidez, com os taninos bem domesticados. A discrepância entre a exuberância dos aromas e a tal ligeireza de sabores foi, para mim, o que mais marcou. Fiquei com algumas dúvidas, com a pulga atrás da orelha, por causa dessa diferença. Preciso de tirar as teimas mais tarde a esta versão moderna. De qualquer modo, um vinho que já desafia. Nota Pessoal: 16
Post Scriptum: Uma experiência interessante que ajudou a mudar o olhar que tinha sobre estes tintos. O mais velho ganhou, por muito, aos mais novos.
Comentários
acho imensa piada ao projecto lavradores de feitoria. É como uma pequena adega cooperativa mas onde é premiada a qualidade e não a quantidade e tudo funciona e é pago a tempo.
Relativamente aos seus vinhos tintos confesso que prefiro o Meruge ao Grande Escolha. E há alguns "single quinta" engraçados também. Achei sempre o Grande Escolha muito marcado pela barrica, se calhar nunca lhe dei o tempo suficiente..
Boas provas!
Depois acho piada pois deve ser uma maneira mais fina e IN de se evitar chamar Coop... credo que horror vinho de Coop não...
É melhor informares-te antes de achares piada... Aconselho-te uma viagem ao Douro ( parece incrível ainda não teres ido ao Douro... ), e passa em Sabrosa para visitar a Lavradores de Feitoria.
Quanto aos vinhos, provei recentemente o 2003, e achei que ainda estava cá para as curvas, com muita especiaria, distinto e profundo. Provei-o com o Chapim e pareceu-nos ser um grande vinho, embora, como ele disse, o meu estilo também é mais Meruge...
Claro que sei que não é uma Cooperativa, apenas foi uma forma de dizer a coisa... mas não fiques ofendido, qualquer dia vou ao Douro.
Não gosto do Grande Escolha mas até gosto do Meruge, Sauvignon Blanc, Aguaneiras...
O 2004, como disse, fiquei com vontade de repetir a prova.
Outro apontamento, os vinhos em causa foram provados em prova cega. Eu sou daqueles que não consegue adivinhar os vinhos, os anos, os produtores. Aliás nem me atrevo fazê-lo para não passar "mais vergonhas". :)
Voltando ao preço, todos sabemos que existem "muitos gatos a serem vendidos como lebre" por esse país fora e por isso é que aprecio uma prova cega de vez em quando. :)