Terras de Tavares (Dão) no Sul

Tenho a forte impressão, a cada dia que passa, que o Dão está abastardar-se. Parece que se instalou uma enorme psicose na região.
Anda pelo ar a ideia, dou de barato se estiver enganado, que este pedaço do país, genuíno, com identidade própria, bem vincada, está transformado numa cópia grosseira de outros cantos vinícolas. O risco de descaracterização e de perda de identidade é imensamente grande e factura será, inevitavelmente, severa.
Não creio que a receita para o sucesso do Dão passe por apagar uma história digna, que teve períodos maus, é certo, e metamorfosear-se em qualquer coisa que ninguém sabe. Uns para um lado outros para outro. O que se faz, por lá, é simplesmente impingir um conceito de urbanismo, pintado com néones e acompanhado com música estridente que pouco coincide com matriz dos vinhos do Dão. Costuma-se dizer que não bate a bota com a perdigota. O caminho não deverá ser esse e não pode ser esse.

Não quero imaginar que, neste mundo empanturrado de relações dificieis e entrelaçadas, não haja espaço para vinhos com carácter regional bem vincado, onde a terra, a rocha, a vegetação se possam sentir livremente e sem artificialismos.
Ainda assim, vou encontrando pedaços de lembranças passadas, de prazeres quase desaparecidos. Lentamente vou aumentando o leque de opções no que concerne a vinhos étnicos, quase pagãos (também na enofilia existe uma religião dominante e sacerdotes que a governam).

Numa tarde em que o vento batia nas paredes e com a chuva a cair copiosamente sem descanso, fui percorrendo 11 colheitas (1997 a 2009) de Terras de Tavares.
Apesar das inevitáveis variações resultantes da idade e das diferentes colheitas era percepível a filosofia que jazia por baixo de todos eles. As quebras de personalidade, as variações de estilo eram quase inexistentes.

Vinhos carregados de frescura, com forte densidade vegetal, balsâmica. Com uma dimensão terrosa e mineral bem presente. Empaturrados de pedra. A fruta, presente em todos eles, revelou-se sadia, bastante húmida. Madeira ligeira e manietada pela uva.
Líquidos que não cansavam, que pediam mais uma cheiradela, mais um gole. Tudo num registo quase extinto, ou em vias de extinção.

Epílogo

Para que conste, no blog, os vinhos provados foram os seguintes:

Brancos - Síria 2009 (Regional Beiras), Encruzado 2007 e 2008.

Tintos - Torre de Tavares Colheita 2006 (Regional Beiras); Terras de Tavares Touriga Nacional 2005 e 2008; Torre de Tavares Jaen 2005, 2007 e 2008 (dividida em duas amostras: uma com estágio em carvalho americano e outra com estágio em carvalho francês); Reserva Terras de Tavares 2007, 2005, 2004, 2003 e 1997; Terras de Tavares 2001 e 2002 e o destaque para uma amostra de Tinta Pinheira 2009 que revelou ser um puro Borgonha, desculpem um puro Dão.

Comentários

Emilio disse…
Olá tud@s.

Rui, uma pregunta. Tenho lido que a garrafa Borgonha é ou foi uma "marca da casa" na DOC Dâo. Isto é aínda assim? Eu sei que admitem-se garrafas Borgonha "nâo puras", como a do Reserva 1997 da tua foto, ou do "Foral Dom Henrique 900 Anos" da adega de Mangualde. Qué saves tú disso?
Pingas no Copo disse…
Emilio gostava de te ajudar, mas não te sei. Talvez outros amantes do Dão consigam responder...
Sorry
Antonio Madeira disse…
Nao sei donde é que isso vem, mas de facto tenho constatado que, na maioria das vezes, as garrafas do Dao que tenho bebido seguem o formato Bourgogne.
Emilio disse…
Rui, António, obrigado pela vosa ajuda. Talvez é uma pregunta que na DOC Dâo saibam responder. Pesquisarei.

Saudaçoes,

Emilio