Vinho, segundo consta, sem estágio em madeira. A ideia é reflectir a pureza da fruta e elevar a um patamar relevante o local de origem. Olhando para a zona, saltam à vista as imagens da fruta, da pedra, da terra, do vento, da neve, da caruma, do arbusto, da flor rasteira, da carqueja. Sem dúvida, um curioso leque de potenciais sensações olfactivas e gustativas, livres de cosméticos. Resta-nos, somente, meter a laborar as capacidades intrínsecas de cada enófilo e perceber, ou ver, se a ideia primaz foi cumprida ou não!
Franco no trato, descomplicado, sem maçar, sem atordoar-nos com sensações sobrecarregadas, cheias de adornos desnecessários. Alegre, fresco, nada pesado, saudavelmente livre e curiosamente perfumado. Olhando para a colheita anterior, dá ideia que sofreu afinações. Pareceu-me, grosso modo, bem conseguido, cumprindo os desideratos, e talhado para jogar com a comida.
Comentários
Chamo-me Ricardo Cunha, tenho 35 anos e escrevo desde Lisboa. Já tenho lido vários posts, mas só agora resolvi comentar e deixar o meu testemunho pessoal. Aproveito, também, para lhe dar os parabéns pela qualidade deste espaço e das crónicas aqui publicadas.
Em relação a vinhos, sou um curioso. Um curioso que quer aprender. Gosto de experimentar vinhos de várias regiões/produtores para ir ensinando o paladar e o gosto por este néctar. Também aprecio ler sobre castas, sobre regiões, enfim, procuro manter-me informado, no sentido de retirar mais proveito das garrafas que vou abrindo, entre amigos/familiares, no decorrer de uma boa refeição.
No entanto, sou um curioso. Não tenho o palato apurado para descobrir notas de prova, ou até identificar castas presentes no néctar que estou a provar. Aos poucos, vou notando um aprimoramento, mas estou longe de dominar técnicas. Apenas tenho o cuidado de condicionar a garrafa e jogar com a refeição que tenho diante de mim.
Mas, o intuito deste meu contacto também é outro: ontem, no El Corte Inglès (supermercado), adquiri o Qt.ª do Escudial 2007 e, ao procurar textos sobre o vinho, vim aqui parar. Para além de 2 exemplares deste Dão, resolvi comprar o Borges (Dão) Tinta-Roriz 2003, porque me interessa ir provando monocastas, até para ir conhecendo como cada casta se porta isoladamente. Porém, algumas questões:
1. No rótulo, podemos ler que o vinho tem potencial de envelhecimento, mas um amigo avisou-me que sendo de 2003 não devo esperar mais tempo para o abrir e provar. É mesmo assim? E, devo decantar ou vinho ou ter mais algum cuidado especial?
2. Tenho em casa um Comenda Grande Polémico (Tinto) de 2004, da zona de Arraiolos. Devo abrir em breve, ou pode ficar mais algum tempo na garrafeira?
3. Tenho, também, em casa um Qt.ª dos Currais (Tinto) de 2006, da Beira Interior e vários amigos já me falaram bem desse vinho. Algum conselho sobre quando e como servi-lo?
4. Outra coisa: li por aqui que o ano de 2006 não foi um ano (colheita) propriamente feliz. Significa isso que a grande maioria dos vinhos deste ano não são grande coisa? E, já agora, quanto a 2003 e 2004? Quais os melhores anos desde 2000?
Desde já, muito obrigado.
Só para finalizar: por várias razões, sempre estive mais inclinado para os Tintos do Alentejo, mas tenho reparado que grande parte são, talvez, demasiado encorpados e com uma graduação alcoólica elevada (14%/14,5%). Qual o motivo para esta crescente graduação? Sem menosprezar os Tintos do Alentejo (que me parecem óptimos), ando ultimamente mais interessado em provar e aprender sobre o Dão, que me parece uma região algo esquecida. É como se o campeonato Benfica-Porto fosse disputado pelo Alentejo e Douro. Esta minha vontade também surge no sentido de ir para além da Trincadeira e Aragonez, pois ando curioso com a Tinta Roriz, o Alfrocheiro e o Jaen que não se vislumbram tão facilmente em Tintos do Alentejo.
Peço desculpa pela extensão do texto, mas agradecia imenso resposta a algumas das minhas dúvidas.
Grande abraço,
Ricardo Cunha
Vou tentar dar-lhe algumas opiniões sobre as questões que me coloca.
1. No rótulo, podemos ler que o vinho tem potencial de envelhecimento, mas um amigo avisou-me que sendo de 2003 não devo esperar mais tempo para o abrir e provar. É mesmo assim? E, devo decantar ou vinho ou ter mais algum cuidado especial?
Esse raciocionio não é assim tão linear. Basicamente dizer que um vinho de determinado ano é para abrir logo, em muitos casos, não está fundamentado. Para tirar a prova dos nove, não existe melhor estratégia do que abrir uma garrafa, prová-la e verificar se o a saúde do vinho nos indica alguma pista sobre a sua evolução (acidez, fruta, taninos). Existem muitos vinhos que morrem inesperadamente ao fim de 1 ano, 2 anos, enquanto outros mantêm-se em boas condições durante um bom número de anos.
2. Tenho em casa um Comenda Grande Polémico (Tinto) de 2004, da zona de Arraiolos. Devo abrir em breve, ou pode ficar mais algum tempo na garrafeira?
Creio que temos vinho que conseguirá aguentar o tempo com alguma dignidade. Pessoalmente, não estaria muito preocupado com ele.
3. Tenho, também, em casa um Qt.ª dos Currais (Tinto) de 2006, da Beira Interior e vários amigos já me falaram bem desse vinho. Algum conselho sobre quando e como servi-lo?
Servi-lo da mesma forma como deve servir, em termos gerais, os outros vinhos. Temperatura correcta, a surgir ligeiramente arrefecido na mesa para depois ir evoluindo no copo com calma. Não creio que necessite de decantação, mas pode sempre fazer a experiência de decantar uma parte e deixar outra parte na garrafa. Verifique depois em que situação lhe agrade mais.
4. Outra coisa: li por aqui que o ano de 2006 não foi um ano (colheita) propriamente feliz. Significa isso que a grande maioria dos vinhos deste ano não são grande coisa? E, já agora, quanto a 2003 e 2004? Quais os melhores anos desde 2000?
Em termos gerais, o ano de 2006, a par do 2002, não terão sido os mais felizes, mas com o apuro que vai surgindo na nossa enologia, os vinhos vão surgindo cava vez melhores e os "defeitos dos anos" são cada vez menos visíveis. Por vezes, em anos menores acabam por surgir vinhos muito interessantes.
Olhando para a década, diria que 2001, 2002 (em alguns casos). Entre 2003 e 2004, talvez prefira, estou a falar por alto, de 2004. Com o 2007 parece que anda tudo em patamares elevados e 2008 segundo consta vai dar origem a vinhos muito interessantes.
Sobre a sua preferência em vinhos alentejanos, digo-lhe que para um enófilo, um apaixonado, é importante que vá descobrindo outros vinhos, outras maneiras de olhar, outros cheiros, outros aromas, outras sensações. Aprende-se muito mais e acredite que no final estará a gostar de vinhos que à priori não pensaria.
Depois vá construíndo a sua garrafeira com coisas que goste, não se preocupe com o que a moda vai ditando. Cada um veste a roupa que quer e como quer e, em última análise, o melhor vinho do mundo é aquele que nos sabe bem!
Espero ter ajudado e se não insista e regresse sempre.
Um abraço cordial
Ficarei atento ao que se for publicando por aqui e, estou certo, voltarei mais vezes a trocar impressões.
Cumprimentos,
Ricardo Cunha