Encostado no sofá, embebecido naquele estado de letargia tão típico de domingo, passa pela minha cabeça uma panóplia de imagens, sabores e cheiros que (quase) nunca mais senti. A pele ficou eriçada e o coração resolveu palpitar ainda com mais força.
Apesar da enorme miscelânea, era possível sentir os cheiros que saíam das panelas. Quase que as visualizei, quase que toquei nelas. E em redor delas e dos tachos, surgia uma figura loura e meia anafada, em postura de maestro, estabelecendo o ritmo do fogão, do forno, das cozeduras, dos tempos. Primeiro isto, depois aquilo. Tudo coordenado.
Domingo era dia de estufado, geralmente de carne de vaca, ou de um assado no forno. Quase sempre acolitados por batatas assadas, por um arroz de manteiga, também feito no forno. E uns grelos, preferencialmente de nabo, quando os havia, um esparregado, umas couves cozidas e temperadas com azeite e alho. Outras vezes tínhamos o cozido, a feijoada na versão transmontana, a dobrada, pois nunca lhe chamámos tripas. Era tudo tão simples, tudo tão prosaico, mas tudo tão saboroso.
O Sábado era o dia do peixe. Era o dia de ir à praça, ao mercado ou feira para comprar o necessário para as viandas da semana seguinte. Aproveitava-se para trazer um pargo, ouvia falar do legítimo, uma pescada com calibre grado ou ainda, no tempo certo, as sardinhas, os carapaus, o peixe-espada para grelhar ou para fritar.
Tanto no Domingo como no Sábado, ao final do dia, havia sempre um petisco, qualquer coisa para picar. Moelas, pipis, língua de porco assada. Coisas deste género e que agora soam a barbárie.
E aquele arroz de couve bem caldoso? Recheado por pequenas costelas de entrecosto que tinham estado a apurar na caçoila de esmalte no meio de vinho, alho, louro e pimentão em pó, que reconfortava no meio da semana. Ia-se para a cama alegre, aconchegado, perfeitamente saciado.
Com a idade, comecei a achar que a melhor comida era outra. Devia ser mais refinada, cheia de técnicas e mais técnicas, apresentada de forma geométrica, com tudo certinho e no lugar. Escorracei os comeres de outrora. Estupidamente.
Agora que já não tenho a tal figura de que vos falei há pouco, sou assolado por um desejo enorme de recuperar, sacar do esquecimento, todos aqueles sabores que, um dia, expulsei para longe de mim. Actos de um burgesso: Eu.
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