Ontem por Rita Marques

Será escusado reafirmar que bebo cada vez mais vinhos brancos. Digamos que voltei ao inicio da minha vida de copos, em que o vinho branco ocupava quase cem por cento do meu consumo. O tinto era, como agora, residual. Posso dizer-vos que acumulo garrafas de vinho tinto. Quando as abro, rapidamente são seladas e enviadas para o frigorífico, acabando, bastas vezes, em condimento. Os vinhos brancos estão cada vez melhor, em todas as gamas, para além de que me permitem bebê-los, com mais facilidade a solo. O tinto, na solidão do acto, torna-se maçador. E eu bebo a maior parte das vezes acompanhado por mim. Apenas.


Após a ladainha inicial, que serviu apenas para ocupar mais umas linhas, foquemos o essencial. E o essencial será resumido em poucos caracteres. Não bebia um vinho de Rita Marques, não estarei enganado, há anos. Ontem é, segundo parece, um das últimas criações desta produtora silenciosa. Sem referência a regiões (Douro? Beira Interior?), com variadas castas, é um vinho de uma magnitude quase exemplar. Falsamente frágil, com um equilíbrio, densidade e profundidade assinaláveis. Com múltiplas camadas de sabores e cheiros. Um dos melhores vinhos brancos que bebi, neste ano de dois mil e dezanove. 


Rótulo brilhante, muito bem conseguido. Coerente com o nome do vinho. Com ar envelhecido. Com aspecto de antigo. Gosto do olhar marcado, com rugas e vincado. Expressivo na sua inexpressividade. De alguém velho, de alguém que tem mais tempo de Ontem. Mais do que terá no futuro. 

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