Voltaram os jantares, com alguns dos mais intimos companheiros do Pingus. Fazia algum tempo que a quadrilha (Fernando Moreira, Jorge Sousa, Pedro Brandão e a minha pessoa) não se juntava, não se encontrava para conversar, beber e comer. As lides da vida têm impossibilitado e adiado constantemente o encontro.
Lá se arranjou uma data, ao fim de duras negociações. O local, o restaurante, estava estava meio apalavrado. Decidimos continuar em Alcochete, no Arrastão, paredes meias com as antigas secas do bacalhau e não muito longe das salinas.
Os vinhos. Optámos por dois brancos, dois tintos e um Porto 20 anos. A escolha foi livre. Cada um pensou no que quis, da forma que quis, sem qualquer imposição, sem qualquer restrição. Cada um serviu o seu vinho, sem referir qualquer pista ou indicação sobre o líquido que tinha trazido.
A ementa estava já definida. Bacalhau assado nas brasas, valentemente regado com azeite e acompanhado por batatas, ou melhor, batatinhas a murro e uma lombeta de porco. Queijos e sobremesa.
Falemos do que realmente interessa.
Em jeito de aquecimento, o Brandão meteu na mesa mais uma relíquia, que só ele consegue encontrar. É preciso ter paciência para descobrir vinhos esquecidos. Um autêntico alfarrabista dos vinhos. Um Caves Velhas Garrafeira 1962. Sem qualquer indicação de região. Com uma cor espessa, opaca. Aromas repletos de café, tostados e frutos secos. Com alguma vivacidade na boca. Interessante, curioso e ainda bebível. Foi posto de lado para ver o nível de evolução que aquilo ainda poderia ter, ao longo da noite. Valeu a pena vê-lo ao lado de um pudim de ovos.
Os brancos. Redoma Reserva 1999 (escolha do Jorge) e Paço dos Cunhas de Santar Vinha do Contador 2005 (escolha do Pingus). Dois brancos com seis anos de diferença.
O Redoma mostrou uma postura mais masculina. Gordo e cheio. Com aromas a tangerina, laranja e melaço. Um vinho com personalidade. Acompanhou muito bem o bacalhau. Atribui-lhe a nota pessoal 16,5.
O Paço mostrou uma linha mais exuberante. Sinais da sua juventude. Floral, com fruta tropical e anizados. Sugestões de erva fresca. Baunilha. Na boca, a madeira pareceu-me em evidência. A necessitar de amadurecer e voltar a beber. Acredito que se torne num belo branco. Nota pessoal 16.
Nos tintos, o duelo decorreu entre um Quinta da Dôna 2003, vindo da Bairrada (escolha do Fernando) e um Duas Quintas Reserva 1999, do Douro (escolha do Brandão).
O Dôna mostrou um carácter moderno, elegante, apelativo e consensual. Sem arestas, bem desenhado. Chocolate, leite com cacau e fruta preta. A especiaria apimentava o aroma. Pastoso na boca, untuoso. Um belo vinho português, que nasceu numa região mal amada. Mereceu, e bem, o Prémio de Excelência que lhe foi atribuído pela Revista de Vinhos. Uma boa relação preço qualidade. Nota pessoal 17,5 e vai entrar para o lote dos meus eleitos.
Finalmente o duriense. Com aromas frescos, onde a fruta combinava suavemente com o mineral. Pareceu-me um pouco frágil e mais seco na boca. De qualquer modo, um vinho com qualidade e com bom nível de complexidade. Desenhado por um grande senhor do vinho português. Nota pessoal 16.
Terminámos com um Dow's 20 anos. Elegante, saboroso, repleto de aromas e sabores a frutos secos, canela, laranja caramelizada. Pessoalmente tinha saudade um Tawnie deste calibre. Nota pessoal 17.
Agora a quadrilha só voltará a juntar-se na Reunião Magna. No Encontro com o Vinho, dia 4 de Novembro.
Comentários
Mais um excelente relato com excelentes descrições. Aconselho-te vivamente a que experimentes o Duas Quintas 2004 - Excelente relação preço / qualidade.
Um abraço
Zé Tomaz
Que bela jantarada! Nunca provei o Quinta da Dôna, mas já tenho pena.
Concordo inteiramente com José Tomaz quanto ao "Duas Quintas 2004" (que belo vinho). Aliás, é pena a ideia que alguns novos consumidores têm em torno das marcas da Ramos Pinto. Muitos dizem que são vinhos da "velha guarda", pouco encorpados e sem a fruta de outros... enfim.
Abraços aos dois,
N.
Pessoalmente posso-vos dizer que aprecio muito os Duas Quintas "Normais". A colheita de 2003 estava também muito interessante.
Relativamente ao estilo da Casa Ramos Pinto é verdade o que diz o Nuno do Saca. Existe uma certa tendência para "bater" em demasia nos vinhos da Ramos Pinto, por parte dos consumidores. São vinhos de outra escola, com outras ideias. Ainda bem.
Abrações
Rui
Gostei da sua descrição do repasto. Tem um estilo semelhante ao nosso.
Saudações báquicas.
Ainda bem que partilhamos o mesmo estilo.
Fico à espera do seu reconhecimento.
Um brinde a Baco
E também fazemos uns repastos de grupo sob os auspícios dionisíacos. :-)
Ainda falando da Ramos Pinto, se quiser fazer o favor de nos visitar, nos arquivos de Maio tenho a descrição duma visita à Quinta da Ervamoira numa viagem que fiz ao Douro. É magnífica.
E temos uma lista permanente de sugestões de compra, segundo as nossas preferências, obviamente, com a indicação dos melhores preços encontrados, acutalizados agora com as feiras de vinhos de 2006.
PS: amanhã vamos aproveitar o Porto-Benfica para deglutir mais algumas pomadas. Oxalá não tenha que ser para afogar as mágoas a seguir. :-)